vazante e fluxo

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Olhei bem ao meu redor, tentando gravar na memória qualquer detalhe daquele quarto porque não sabia se o veria mais uma vez, e meu pai pareceu respeitar esse momento, já que ele se manteve quieto e paciente enquanto eu analisava cada cantinho do seu espaço tão especial e precioso a ponto de jamais ter contado sobre ele pra mim.

Uma das paredes era repleta de estantes, estas recheadas de livros antigos e novinhos, como se meu pai estivesse há muito tempo os comprando e deixando ali para que lesse, mesmo que eu não duvidasse que ele já tivesse lido todos. Os títulos que tinham ali, porém, não pareciam nada com romances ou suspenses que eu lia muito na adolescência, e acabei franzindo o cenho quando notei que algumas lombadas pareciam ter os títulos escritos numa língua diferente, onde as letras eram bem distantes de qualquer coreano ou japonês que eu já tivesse aprendido.

Alguns papéis pareciam presos entre os livros e prateleiras, mas não dei muita atenção pra eles porque, na parede da direita, onde havia uma grande janela tampada por cortinas blackout, estava uma escrivaninha com tantos papéis que por cinco segundos me peguei preocupado sobre quanto papel tinha sido gasto naquelas... Anotações em outra língua? Me permiti aproximar da mesa para que eu pudesse ver melhor aquelas letras, e foi uma surpresa notar que a grande maioria parecia ter sido escrita a punho.

Dentre os papéis, amarelados e novos, estavam desenhos, mapas e alguns pergaminhos, e tudo aquilo parecia tão antigo e precioso que não ousei tocar ou sequer respirar perto, era como se toda aquela informação fosse sumir se eu chegasse a alguns centímetros de distância e não ousei fazer isso, assim como não ousei chegar perto da parede que estava atrás de mim. Na parede próxima à porta pela qual eu tinha entrado e que agora tampava uma parte do que tinha ali, haviam quadros de cortiça pendurados com vários outros papéis em cima pregados por tachinhas que eram as responsáveis por segurar fios vermelhos que ligavam algumas fotos, mais mapas e anotações apressadas.

Eu sei que pode parecer loucura, que não é possível que eu nunca nem tenha visto um pedaço daquele lugar quando era criança, mas eu estava tão impressionado e assustado que só consegui engolir em seco, virar para o meu pai e rir de nervoso. Tudo aquilo parecia uma cena de filme, provavelmente a mais bizarra de todas, e ver todos os papéis numa bagunça organizada me fez perguntar o que diabos fazia meu pai esconder tanta informação de mim com tanto afinco.

— Terminou sua análise? — meu pai perguntou com um leve sorriso no rosto, como se toda aquela loucura de uma vez só fosse super tranquilo e eu não estivesse quase desmaiando de nervoso na sua frente. — Sabe, eu tentei esperar o momento certo pra te mostrar tudo isso e eu sei que foi muito de repente te pedir para me ouvir hoje, mas eu sabia que não poderia esperar ou te dar mais tempo.

— Pai, o que é tudo isso?

— Eu tentei te dar dicas antes. — ele começou, me ignorando completamente enquanto mantinha as mãos firmes em cima da caixa que estava em seu colo. — Achei que em algum momento se mostraria pronto, mas eu não queria te forçar a nada, entende? Então você veio querer saber mais sobre sereias e eu te contei a história, então imaginei que seria logo.

— Pai...

— Fico tão aliviado de enfim poder compartilhar isso com você.

— Pai! — o chamei um pouco mais alto, tendo sua atenção apenas quando me aproximei e coloquei minhas mãos sobre as suas. Enfim seu olhar encontrou o meu e então ele pareceu notar minha situação. — O que são todas essas coisas? Por que me chamou aqui?

— Ji... Nós precisamos falar sobre a sua mãe.

E acho que aquela era a segunda vez na semana em que eu parecia travar por completo, como se meu corpo não processasse a informação no mesmo ritmo que a minha mente, e foi por perceber isso que meu pai se apressou em pegar a cadeira de rodinhas perto da escrivaninha, tirando todos os papéis que estavam em cima dela com o máximo de cuidado possível antes de me guiar para que eu sentasse.

o conjurador de marés | vmin / pjm +kthOnde histórias criam vida. Descubra agora