Os gritos do treinador ecoavam naquele pequeno espaço.
Raoni sentiu o músculo começar a contorcer quando encarou o próprio reflexo no piso laminado do vestiário. Por mais que tentasse disfarçar, não precisava ser um perito para identificar seu nervosismo pelo mexer das mãos e suas piscadas sem parar. A cabeça baixa fechava o pacote de emoções que transbordava no seu semblante: derrota.
Sua camisa seca, em relação aos outros 11 companheiros daquele ambiente denunciava que ele ainda não tinha retomado a confiança do técnico.
Ele mesmo duvidava que o colocaria para jogar agora: Disputando a maior competição do continente, segundo tempo da final que a Império não chegava a mais de uma década.
As duas torres que ele carregava do lado esquerdo do peito só aumentava sua aflição. Não importava seus quase 13 anos de carreira. A responsabilidade era sempre grande representar o maior time de Veemente.
Os torcedores deixavam isso ainda mais claro e o goleiro teria experimentado o desprezo da pior maneira possível.
Raoni participou da última final da Império. Sentado ali, na mesma cabine amadeirada do vestiário da Arena de Arles, porém com menos barba e muito menos experiência. Sua inexperiência foi percebida em campo, numa falta. A bola desviou pela cabeça de um dos zagueiros. Era só ele agarrar já que vinha preciso para suas mãos. Ele até chegou a pegar ela, mas escorregou. Não vencido tentou apanhar ela no ar. Uma vez. Duas. Mas na terceira ela escapou de vez e caiu dentro do gol. Foi considerado o maior frango da história do clube.
O homem, já nos 32 anos, espremeu os lábios e engoliu em seco só com a lembrança. Não passava por uma fase boa naquele momento também: Ficou uma temporada sem jogar se recuperando de uma lesão e quando o técnico confiou na sua volta ele cometeu mais uma falha na fase de grupo que quase elimina toda equipe.
Isso rendeu a ele uivadas e incredibilidade com a torcida, os companheiros e o treinador. E claro, o banco. O garoto que entrou no seu lugar, no auge dos 17 anos, agarrou a oportunidade como agarrava a bola. O menino voava em campo, era um novo craque e vários times já estavam de olho na estrelinha.
Óbvio que Raoni ficava feliz pelo colega. O mais novo até confessou que era fã do seu trabalho e já pediu vários conselhos. Tinha que admitir, o fedelho era humilde, tinha talento e muito foco e dedicação. Era a receita certa de um mito!
Além de tudo, eram até amigos. O jovem craque sempre dava um jeito para ficarem no mesmo quarto durante a concentração e vivia procurando ele pelo CT. Por mais dos apelidos carinhosos que trocavam, ele gostava do garoto. Ainda assim, Raoni sentia aquela pontadinha, na boca do estômago.
Ele não queria se aposentar agora. Não assim.
Ainda tinha muito futebol. Sabia disso. Só precisava de mais uma chance.
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Até o apito final [Conto]
Historia CortaAs esperanças para Raoni estão terminando. Aos 32 anos acabou de se recuperar de uma lesão, mas por conta da má fase o técnico prefere deixar ele no banco para dar lugar a nova estrelinha de 17 anos. E o garoto ainda por cima joga bem. Na final cont...