O vinho

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Eu bebi, bebi demais. Fui até a capela de Armand ainda cambaleante. Ele ficou espantadíssimo, estava claramente desapontado. Carregou-me em seus braços até a casa, evitou os cômodos em que as crianças estariam. Eu fedia a uísque, tinha consciência disso. Quando Marius entrou no quarto e me viu naquelas condições eu juro por todos os deuses do Olimpo que eu vi ódio em seus olhos. Armand mandou-o sair, disse que era melhor esperar que eu ficasse mais sóbria para conversar. Nosso Mestre tirou Armand do quarto:
   -Santo Deus eu fui realmente amaldiçoado com pequenos diabinhos não foi?
   - Faz por merecer, Marius de Romanus!- eu tentei conter as palavras de minha boca, não estava raciocinando apropriadamente.
   - Ah mas você também está merecendo a surra que vou lhe dar sua mocinha imoral e ingrata.
   -Tanto faz, eu não sou a única ingrata neste quarto!- algo em mim estava muito muito forte. Eu quis parar.
    -Oh, sim, claro. De fato você é a pessoa apropriada para julgar-me não é?- eu sabia o que estava por vir e por algum motivo eu não estava com medo. Sentia nojo de mim mesma. Logo que os primeiros golpes acertaram minha pele eu recuperei a decência e o controle de minha mente perturbada.
   -Eu sinto muito.- sussurrei sabendo que ele me ouvia. Aquilo era insuportável. Minhas pernas ardiam e sangravam, eu nunca fui forte quanto a suportar golpes. Qualquer coisa me fazia sangrar. - Perdão...- tentei dizer engasgando com meu choro. -Por favor...- Eu pedi e ele parou. Ouvi a vara que havia me acertado cair no chão. Ele tirou seu peso das minhas costas permitindo-me respirar. Sentei na cama mesmo com a dor.- Perdão Mestre... eu o adoro... perdão..- era tudo que eu conseguia dizer. Minha mente divagava com a dor. Marius saiu do quarto. Armand estava sentado na porta, esperava, levantou-se e veio na minha direção. Eu ainda chorava:
     -Eu me odeio!
    Minha mente repetia isso como um eco. Era uma mistura quase musical do som da vara acertando minhas pernas, o meu choro e essa maldita frase. Minha visão estava turva. Minha cabeça girava. Mas agora eu estava sóbria. Armand me carregou até o banheiro onde colocou-me embaixo da água fria do chuveiro. Minhas pernas ardiam:
     -Tudo bem anjo, nós não odiamos você, não se odeie.- ele disse. Sua voz era gentil. Encostei minha cabeça no azulejo frio. - Deixe que eu cuide de você, deixe que eu te penteie e te vista, seja minha bonequinha.
    Meus olhos pesavam. Senti quando ele tirou meu vestido com um simples puxão, ouvi o tecido se rasgar. Ele me lavou com cuidado, limpando em especial minhas pernas machucadas. Lavou meu cabelo e tirou-me da água. Secou-me, vestiu-me, penteou-me. Eu era sua bonequinha como um dia ele foi o de Marius.
    Não me alimentei naquela noite. Não treinei com Sibelli. Apenas fiquei deitada junto com Armand em minha cama. Ele me acariciava a cabeça e cantava para mim. Marius entrou no quarto quando eu tinha quase dormido. Levantei-me apressada e me ajoelhei na sua frente:
     - Perdão por favor...- supliquei.
     - Já disse que você não deve agir assim, levante-se, anda.- Me levantei, as pernas tremiam. - Você já é uma mulher e eu entendo isso. Mas mesmo se fosse Amadeo no seu lugar, eu teria feito a mesma coisa. Não é por mal. Mas não quero voltar a ver você naquele estado entendeu?
    -Sim, sim eu entendi.
    Eu entendia de fato e respeitava sua decisão, naturalmente não é? Eu o Adoro. Meus senhores deram seu sangue de vampiros para curar-me as feridas. Entendi enquanto dormia que a preocupação de Marius não era exatamente com a embriaguez mas sim que algum vampiro me visse e denunciasse ao conselho. O álcool me fazia dormir o sono dos deuses e naquele dia, antes que amanhecesse, quando eles iam se deitar, pedi para dormir com um deles, eu não queria ficar sozinha. Dormi no caixão de Marius naquele dia. Ele era alto e ocupava muito mais espaço que Armand, mas não me incomodava. Dormi sem sonhar. Estava cansada demais para isso. Apenas desejei em meu coração que os medos de Marius não se concretizassem, desejei que o conselho não viesse atrás de mim.

Perséfone de HadesOnde histórias criam vida. Descubra agora