Infância

30 1 1
                                    

Antes que eu possa seguir com a história, vou lhes contar o que de fato me fez mal, a raiz do meus problemas, onde exatamente tudo começou.

Eu era uma criança excepcional, tinha gosto pela literatura, era uma leitora voraz, pedi a coleção de Tolkien no meu aniversário de 10 anos, eu era maravilhada com o mundo literário, já que era minha única saída para o mundo real.

Eu costumava viajar com minha avó por parte de pai, íamos para uma cidade do interior, não muito conhecida, era serra, fazia frio, o clima era pesado e  vegetação densa, minha casa ficava de frente para uma mata. Embora eu fosse com ela, mais alguém morava lá, e esse alguém não era tão convidativo.

Meu progenitor, um homem razoavelmente novo, ele tinha 18 anos quando eu nasci, e 17 quando me concebeu, não faço o ideia do que se passava na cabeça da minha mãe quando o escolheu, ela certamente nunca o amou, ele também dava sinais evidentes de que não seria pai, a gravidez foi de alto risco, o corpo de uma garota de tandem 17 anos Me rejeitava, ela passou muito tempo no hospital, lutando para ter uma criança que não tinha o menor prazer em estar viva.

Meu pai era cozinheiro, um chef excelente, isso é inegável, mas tinha problemas com o álcool, ele chegava em casa tarde dá noite, já era madrugada e eu quase sempre estava acordada, a casa possuía dois quartos, um para minha avó, outro para eu e meu "pai" dividirmos, nossa cama era box, mas tinha outra em baixo que puxava, eu dormia na de cima, ou pelo menos tentava.

Eu era uma criança com problemas, não conseguia dormir, tinha pesadelos constantes, eu sentia que era real, não conseguia pregar os olhos e ignorá-os, por vezes acordei em pânico, suada e desesperada, mas nunca havia alguém ali, eu estava sozinha.

Passar por aquilo fez com que eu desenvolvesse problemas de sono, eu passava o dia cansada, meus olhos faziam bolsas enormes de noites mal dormidas, ninguém se importava com isso, até que ele descobriu.

Certa noite meu pai chegou mais cedo, eu estava acordada mas já era muito tarde, ele fedia a cigarro e cerveja, aquele cheiro invadia meu pulmão e me sufocava, era um chute no meu estômago, ele estava chegando ao quarto, cambaleava, incapaz de sustentar o peso do próprio corpo, ele abriu a porta e entrou.

- Pai? - perguntei hesitante.

-O que você faz acordada essa hora? Já era pra estar dormindo - ele responde num tom não tão amigável.

- Não consigo dormir, os pesadelos não deixam.

- E o que te faz achar que eu me importo? Fecha o olho e vai dormir, já  é uma merda ter que dividir o quarto com uma fedelha, acha que quero ouvi-la?

Eu era nova demais para saber quando parar, tentei falar para ele que não conseguia e estava com medo,  me arrependi.

- Francamente eu não sei porquê minha mãe te traz até aqui, você não devia ter nascido, eu falei pra sua mãe te abortar assim que descobrimos a gravidez, ela insistiu em ter você, depois você quase a matou, sabe disso não sabe? - ele sorria enquanto destilava seu veneno, um sorriso doentio - você quase matou ela mas quem devia ter morrido era você, uma criança asquerosa, eu me arrependo do dia que fiz você, de todas as coisas que fiz na vida, tenho vergonha de ter como filha.

Ele não falava baixo, os vizinhos ouviam, porque minha avó não saía do quarto? Como ela conseguia dormir?

Essa foi a primeira vez que ele fez isso, eu me lembro até hoje do peso do olhar dele, a força das palavras, o ódio e a repulsa contida nelas, eu lembro de ter saído do quarto aos prantos, de ter chorado a noite toda, eu tinha 5 anos quando descobri que não tinha pai, que por mais que meus sonhos fossem ruins, o pesadelo real estava do meu lado.

O AtiradorOnde histórias criam vida. Descubra agora