Ceder

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-Não é verdade! Lucca!

-Mamãe! –Ele gritou em resposta e parei na beira da ponte e deixei Rafella no chão. Eu nem estava cansada. Por que não estava cansada? Eu nunca corro!

Lucca estava no campo de futebol ao lado do corpo de várias pessoas, entre elas Alice e Kevin e claro, Jason. Reconheci os outros como sendo membros do clube de arqueria que Alice fazia parte e há anos tentava me fazer me juntar a eles. Lucca correu até mim subindo a escadaria tosca de terra batida até a beira da ponte e pulou em meus braços.

-Eu estava assustado! Tia Lice e papai e a Sara e o tio Kevin, todos eles! Eles só caíram! E tinha um monte de passarinhos caindo....

-Eu sei, meu bebê, eu sei, está tudo bem agora, tudo bem...

“Quer ver o que vai acontecer agora? Vai querer assistir isso, foi como acordei você.” A voz de Erek soava levemente debochada, o que me irritou. Por que eu estava tentando me irritar? “Vá ver seus amigos no campo, eu conheço todos eles.” Senti um arrepio.

-Rafaella, fica aqui com ele, eu volto num segundo.

-Mas aonde você vai, tia?

-Só vou até lá embaixo, juro que não demoro. –Beijei a testa dos dois, minhas mãos começaram a coçar e a arder então apertei o passo enquanto descia a escada tosca até o campo de futebol. –Droga, essas bolhas de novo...

“É o que dá, tentar me reprimir. Meus anticorpos são tão ou mais fortes do que o que resta dos seus, é melhor aceitar de uma vez e parar de me reprimir, só vai piorar sua saúde.”

-Quieta, eu! –Resmunguei, coçando minhas mãos no tecido do vestido. Cheguei até a borda do campo de futebol no instante em que Jason começou a se levantar e parei, chocada com aquilo. Um a um, Kevin, Alice, Jason e os outros foram se levantando. Os pássaros foram se levantando e voltando aos céus, os cães se levantavam e latiam uns para os outros e os gatos começaram a ronronar alto. –Mas o que é isso... –Perguntei para mim mesma.

“Bem vinda a extinção da raça humana.” Erek disse. “Ou quase isso.”

-Isso não está acontecendo... –Eu dei um passo para trás.

“Como acha que levantou dos mortos, Nina? Você sabe que morreu, você lembra.” Sacudi a cabeça em pânico, eu tinha me convencido de que toda a cena do rio tinha sido algo que meu cérebro criou para me proteger da verdade. Que imaginar que eu renascia seria melhor do que lembrar do que realmente aconteceu. “Você morreu esfaqueada por Jason, na cozinha do apartamento dele.”

-Não.

“Sim. Aceite a verdade.”

-Não.

“Aceite o que vem com a verdade, aceite o que posso te oferecer.”

-Não. –Eu queria chorar, eu precisava chorar, Rafaella e Lucca não estavam aqui para ver. Por que eu não chorava?

“Porque você morreu. Eu a trouxe de volta a vida, é assim que nós, os Eidos, vivemos.”

-Por que?

“Sobrevivência. Somos parasitas obrigatórios, podemos subjugar qualquer ser em que entremos. Inclusive cães, gatos, pássaros. Humanos.”

-Por que não crianças?

“Jovens demais. Incompletos. Deixamos que se desenvolvam até o ápice de crescimento e os matamos.”

-Se subjugam qualquer coisa, por que ainda sou eu?

“Porque eu permito. Procuro viver em harmonia com meu hospedeiro, ofereço todos os benefícios que minha espécie oferece, mas não mato a mente.”

-Por que?

“Isso não importa. Estou te dando uma segunda chance de viver. Tem algo a reclamar?”

-As bolhas. –Falei rindo, me entregando completamente a loucura de tudo aquilo.

“Isso é um efeito colateral. Seu sistema, embora morto, agora que ressuscitado, luta contra a invasão. Meu sistema luta contra a sua resistência. As bolhas são os soldados mortos desta luta que travamos, especialmente quando você me nega tão veementemente.”

-O que acontece se eu ceder?

-Nada. –Jason disse chagando perto de mim e recuei mais um passo.

“Nina, este é meu marido, Panmênides. Ele entrou no corpo de Jason e não o reprime. O que falou com você é Jason.”

-E quanto aos outros? –Perguntei olhando para detrás de Jason e vendo meus amigos.

“Tratamos de trazer nossos amigos para os seus amigos. Sem perdas.”

-E a minha família? –Eu supliquei. –Mamãe, Danielle...

-Não há como saber, estão muito longe. –Alice disse e veio se prostrar ao meu lado. –Você viveu assim esse tempo todo? –Ela disse e me abraçou de lado. Abaixei a cabeça.

“Nós, os Eidos, temos um link telepático entre os nossos, mas só funciona num raio de cinco quilômetros.” Erek explicou e passei a mão nos cabelos.

-Meus deuses... O que eu vou dizer para a Rafaella?

-Diga que daremos um jeito. –Kevin disse pondo as mãos nos ombros de Alice.

Eu estava evitando olhar na direção de Jason a este ponto.

Todos nós resolvemos nos reunir na casa que eu dividia com Alice, para formular um plano e vermos como agiríamos dali em diante. Estamos sob invasão extraterrestre, Lucca achava que estávamos brincando de guerra e eu disse a Rafaella que ela dormiria conosco por uns dias enquanto Danielle acompanhava o marido ao hospital. O que era mentira, é claro.

NinaOnde histórias criam vida. Descubra agora