Roleta Russa

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Ele se deleitava vendo aqueles quatro corpos indefesos amarrados à sua frente, se contorcendo para tentar uma fuga improvável. Ali estavam os demônios que atormentavam a sua alma, aqueles que o fazia arder de ódio, uma fúria incontrolável, insaciável, inevitável. Aquelas quatro vidas que num passado não muito longínquo haviam destruído todos os sentimentos positivos que ele pudesse nutrir, toda a confiança, todo o amor. Agora ele era uma casca vazia, solitária, vagando num mar infindável de agonia. Como um zumbi que só existe para dilacerar carne humana, ele queria alimentar a sua sede de vingança. Naquele dia ele traria o inferno a tona, deixaria que o mar escaldante de lava terminasse de destruir o que ainda restava do Luiz que um dia ele fora.

Nunca fora popular. Era daqueles que viravam piada na escola, aqueles que os valentões cobravam pedágios para passar por um simples corredor. Extremamente introvertido, gostava de ficar na dele, em seu canto. Como todo tímido incurável, tinha sérios problemas na área amorosa. Se estava próximo de uma garota bonita, não conseguia formar uma única frase que contivesse um sentido lógico. Sentia-se constantemente atormentado, triste, isolado. Até um dia em que tudo mudou... Ela mudou tudo. Ela o fez se sentir vivo, o fez deixar de se achar um lixo. Fez ele acreditar que podia ser amado. A sensação era tão boa... Mas para quê? No fim, tudo foi destruído, o paraíso pretérito se tornou a sua desgraça atual. O teto de sua casa despencou por sobre ele, asfixiando-o e oprimindo-o em meio aos escombros. Quem dera nunca tivesse experimentado aquelas semanas de felicidade. Após todos os poucos em que ele confiava tirarem as suas máscaras e mostrarem suas faces horrendas ao sol, quando finalmente Luiz descobriu o quão suja e falsa era a raça humana, ele se transformou. Não era mais o tímido CDF. Voltou a se isolar, mas de um modo diferente. Passou a se alimentar de trevas, de fúria.

Agora, naquele fatídico dia, ele finalmente iria poder saciar a sua crescente sede de sangue. Ninguém dizia nada, ouviam-se apenas gemidos vindos por debaixo das mordaças de seus quatro respectivos prisioneiros. Conseguia sentir o medo que eles exalavam, e se divertia com isso. Foi até a primeira vítima e parou, de braços cruzados, rente a ela. Esta se chamava Laura e tinha atualmente 21 anos. Como os demais, encontrava-se completamente amarrada, exceto por um dos braços, que jazia livre para se movimentar da forma como quisesse. Ela tentava, em vão, como todos os outros também o faziam, se soltar com auxílio do membro que encontrava-se em liberdade. Será inútil! Energia gasta atoa. Fazia cinco anos desde que Luiz vira todos os quatro pela última vez. Laura, a loura oxigenada,sendo a raiz de seus cabelos e suas sobrancelhas a mostrarem o quão falsa era, isso em múltiplos sentidos metafóricos. Olhos castanhos claros, baixa estatura, magrela, nariz amassado, largo. Não era feia, de modo algum, mas tão pouco bonita. O algoz aproximou-se da mártir e arranco-lhe a mordaça que lhe impedia de gritar.

- AAAAAH! Aaaah... O que você está fazendo, está ficando louco? Me solte agora, vamos... Me solte!

- Relaxa, Laura.

- Que relaxar o quê! Me solta agora! ME SOLTA! ME SOLTA! ME...

Agora Luiz exibia um revolver calibre 32 e o mirava bem no centro da testa de Laura, o que a fez cessar instantaneamente a gritaria descontrolada e iniciar uma tremedeira diabólica que dominou cada relés fração de seu corpo.

- Bem, assim é melhor. Quero que se cale e só me escute. Você, de todos que estão aqui hoje, é aquela de quem guardo menos rancor. Nunca gostei de você, você nunca gostou de mim, por esse motivo as suas tramas contra mim não podem ser consideradas uma traição.

Luiz fez uma pausa, respirando profundamente.

- Conspirou contra mim, a incentivou, fez de tudo para ela agir da forma que agil. Sempre me achou um idiota, e talvez eu realmente o fosse. Sua casa serviu de abrigo para vários encontros deles. Isso te dava prazer! Você mesma jogou na minha cara, depois que descobri tudo, que mesmo quando ela pensou em terminar tudo comigo e contar a verdade, você se interpôs e foi contra. Queria que ela se divertisse mais um pouco comigo, continuasse a me iludir, acabasse com minha dignidade... Isso parecia te entreter em demasia. Sempre que passava por mim dava uma risada cruel, e eu nunca entendia o porquê, até desvendar toda a sujeira. Você, a melhor amiga dela, a que mancomunava maldades para comigo. Claro, a culpa não é toda sua, ela escutava o que você dizia e concordava. Também devia achar divertido fazer o garotinho sem sal e impopular de palhaço.

Catarse: do Aterrador ao Melífluo (Volume Único) [CONCLUÍDO]Onde histórias criam vida. Descubra agora