Hoje te pintei pela primeira vez
(🥀)
Ultimamente o estresse me ultrapassa. As exigências de uma vida independente para um fracasso como eu são demais; as poucas obras que vendo são destinados ao aluguel e tanto minha comida quanto meus itens de trabalho ficam em segundo plano.
Acho que essa insônia que começou a me atacar todas as noites é uma mera punição da minha mente por ser assim; por não ser bom o suficiente. Ou talvez seja o meu lado racional tentando me fazer ver que esse caminho não me leva a nada favorável, apenas à pobreza e infelicidade. Talvez ele queira me fazer abrir os olhos e ver que sou jovem, que ainda tenho muitos anos e que não é tarde demais para começar de novo. No entanto, minha mente me conhece bem e sabe que eu nunca cederei a ela. E mesmo que eu acabe morando nas ruas de Seul sem uma casa e comendo o óleo que resta das pinturas anteriores, o farei; porque a arte é minha única companhia durante todos esses anos, e não merece uma traição como essa.
Hoje também fui castigado. Fechei os olhos e vi apenas escuridão; nem hipnos nem seu filho possuíam meu corpo. Confirmei que nos momentos de necessidade nem sequer os deuses sentem pena de fracassados como eu. No entanto, esta noite não fiquei apenas de braços cruzados.
Levantei-me da cama e cuidadosamente, evitando a bagunça no chão, tirei a tela com a pintura inacabada do velho cavalete. Peguei as últimas três telas que me restavam e preparei tudo. Sentei-me no banco em frente ao pedaço de pano e sem pensar por um segundo, minha mão segurou o pincel que logo após manchar-se de tinta, começou a se mover na tela como se tivesse vida própria.
Tons quentes e vívidos se uniram para dar vida à sua pele. Pela primeira vez substituía a palidez tão frequente em meus trabalhos; agora o ocre, o amarelo e o laranja se misturavam e criavam a cor mais bonita que já vi; a cor da sua pele.
Quando achei que tinha o aperfeiçoado continuei com seus lábios. Um rosa morto e opaco o fazia brilhar, contradizendo qualquer lei estabelecida.
O pincel se manchou com a cor café mais marrom que poderia ter criado, para logo colorir a iris dos olhos mais belos que já vi em minha vida. O pupila se perdia em sua intensidade e expressava pureza, a pureza própria de um anjo com vida e livre de pecados. E embora tenham sido criados por mim, eu jurei amar aqueles olhos limpos de qualquer maldade.
Pintei seu cabelo laranja, como as folhas que caíam das árvores ao lado da minha janela, anunciando que logo seria inverno. Tenho certeza de que com o calor do seu coração e a contenção de suas asas, nenhum inverno seria frio o suficiente.
Decidi te vestir acabando com a sua nudez. Comecei com uma camisa branca junto a simples detalhes azuis e preto, mas depois de pensar nisso decidi adicionar um colete para torná-lo mais humano; mais alcançável para os meus dedos mundanos e manchados.
Me afastei e te observei. Seu rosto levemente inclinado e seus olhos fechados para o céu. Jurei me perder em sua beleza e elegância quase absurda. Simplesmente não me dei conta que o tempo ainda estava correndo e que em um piscar de olhos já havia amanhecido.
Hoje te pintei pela primeira vez.
Hoje tive meu primeiro contato com um anjo.
VOCÊ ESTÁ LENDO
𝐀𝐁𝐎𝐔𝐓 𝐀𝐍 𝐀𝐍𝐆𝐄𝐋 | chanlix
أدب الهواةSolitário e sempre perdido em seu mundo, Chan é um artista fracassado que experimenta a insônia ao começar a acumular estresse. Para enfrentar as intermináveis noites sem dormir, começa a depositar todos os seus sentimentos na tela através do pinc...