Cena

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Quando os primeiros acordes daquela música tocam, não é difícil que eu logo os reconheça. A melodia sempre chega até o meu coração e pergunta a ele quando poderá ser inteiramente dele. A voz doce que dá vida à canção se queixa da falta, nas entrelinhas. O ritmo lamenta a falta. Ele gostaria que alguém dançasse enquanto ele se apresenta.

Às vezes ouço a mesma música duas ou três vezes. Se pudesse descrever ela em uma cena, seria em uma pista de dança. Ela mesma toca ao fundo, e pessoas dançam em pares. É uma música lenta. No meio da cena, roubando a cena de quem a vê, uma pessoa só. Ela está parada. É uma cena de melancolia. Quando penso nessa cena, vejo que aquela pessoa, parada em meio aos dançantes sou eu.

E a mesma cena se repete quantas vezes meu coração mandar que ela se repita. 

Duas ou três vezes. 
Até eu pegar no sono. 
Até... algum momento. 
Para ao último segundo.
Não há mais ninguém só na cena. 
A pessoa não procura.
Eu sou a pessoa. 
Eu não procuro.

Gosto de imaginar uma continuação em que todos na pista de dança estão em pares. Não consigo.

Não há um par. Não sei forma, jeito ou identidade. Sou vento que sonha. Hoje há vapor, um dia foi água de outros corações. Sou vento esperando a existência do meu. E se eu for areia ou sal?

Eu diria que é minha melhor parte, se talvez não fosse parte alguma. Minha companhia acredita em memórias criadas pelo próprio coração para amenizar a melancolia da cena. 

IndefinidoOnde histórias criam vida. Descubra agora