1. Lucila

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É verão, em breve as festividades se aproximam, pelas minhas contas, nas próximas semanas vão comemorar o nascimento do menino Jesus. Aqui na senzala nesse dia ecoamos nossos cânticos , afinal a família de brancos está tão ocupada com seu belo jantar e com a abertura de presentes que não ouvem nosso canto aos nossos Orixás.

Meu trabalho na fazenda é cuidar das roupas da casa grande, assim como minha mãe Conceição fazia, tem uns anos que ela foi vendida para uma fazenda no sul, nunca mais tive notícias. Anseio o dia que a verei novamente.

Estou sozinha aqui, enquanto a minha mãe esteve na fazenda nada me atingia, nem sequer as mãos do capitão do mato, por vezes minha mãe deu seu corpo em troca do meu.

Desde a partida da senhora minha mãe as coisas não ficaram fáceis para mim, mas como o Patrãozinho Venâncio diz, negro só nasceu com uma finalidade: servir gente branca.

- Nega Lucila - acordo de meus devaneios - apresse-se essas roupas vão para o quarto do menino Saulo, ele está prestes à chegar e precisa da muda de roupa limpa e estendida.

- Certo Sinhá Adelaide.

Limpo as mãos em meu avental, afinal, mãos negras em lençóis brancos sujam, pelo menos é o que a governanta Adelaide sempre fala. Pego as roupas, levo de forma rápida para que a arrumadeira possa passar e colocar a cama antes do filho mais novo da família chegar.

- A Sr. Adelaide pediu pressa, parece que o menino está chegando - entrego as roupas para Lídia.

- E parece que não é só ele que vem - diz Lídia - sua noiva e Bibiana também vêm de Portugal.

- Há quanto tempo não os vejo, devem estar grandes e bonitos.

- Nega, vocês não são mais crianças, não ouse chegar perto deles. Negro não se mistura com branco - conclui Lídia.

- As duas não devem ter trabalho para fazer - ouço a porta abrir e surgir a figura horrorosa de Adelaide - O você ta assuntando aqui Lucila? Anda... para rua! Já!

As vezes sou enxotada como um cão, acredito até que a Pérola (a cachorra), o xodó de Amaro é mais bem tratada do que eu.

Pego algumas mexericas e me sento no alto da escadaria onde consigo ter uma visão ampla da fazenda. Avisto chegar na porteira uma carroça fechada, com dois cavalos de pelagem branca puxando. Logo à frente Amaro e um homem que não consigo reconhecer fazem a frente do cortejo. Consigo ver de longe e pela postura do Patrão que ele está contente. Seus caçulas voltaram à fazenda.

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