2. Bibiana

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Estou voltando para a fazenda, se me recordo bem, fazem 10 anos que fui morar em Portugal, meu pai sempre disse que não iria arrumar um casamento bom por aqui, pelo que parece, nem lá.

Olho para esses campos verdes e só consigo sentir saudade de uma vida que deixei para trás naquele porto de Lisboa. Farei de tudo para voltar, afinal, o que quero nesse lugar?

Ao meu lado nessa carroça vejo meu maior amor, Saulo, meu irmão. De mãos dadas com ele sua noiva, Henriqueta. Formam um belo casal, ficam até julho quando ocorre o casamento e depois voltam para Portugal para que meu irmão possa estudar.

Olho pela janela do nosso veículo e avisto uma negra sentada no alto de uma pedreira, ou  seria uma escadaria, é difícil identificar. O que será que ela observa lá de cima?
Qual sua visão de mundo, uma vez que nunca saiu dos limites dessa fazenda.

Sinto uma pequena compaixão por essas almas aprisionadas que jamais sentirão o gosto da liberdade, mas também, sem os negros quem serviria as grandes famílias. A mão de obra escrava não tem custo, apenas uns pedaços de pães e lavagem que daríamos aos porcos.

Sinto o ritmo da carroça diminuir lentamente, olho através das janelas e consigo ver a casa grande se aproximando, é incrível como se parece com minha ultima lembrança. A cor ainda é a mesma, o azul das janelas contrastando com o branco das paredes ainda me remete a infância, como se fosse ontem que ultrapassei os limites da porteira.

Na porta encontra-se minha mãe um tanto mais velha desde quando a vi pela ultima vez, mas no entanto nunca perde sua elegância. Meu pai abre a porta do veículo que nos conduz e anuncia a chegada.

- Veja Bibiana, consegue lembrar do cheio de mato ainda? - questiona ao pegar minha mão me conduzindo para fora do veículo.

- Ora meu pai, não é o cheiro do porto, mas ainda sim me traz uma tranquilidade.

- Aqui você pode fazer aquela tuas pinturas estranhas - sorri - pode encontrar a tal "expiração".

- É inspiração, senhor... I N S P I R A Ç Ã O - soletra Henriqueta ao sair da carroça.

- Meus filhos, que emoção tê-los de volta ao lar - minha mãe corre para nos abraçar - Minha futura Nora, bem vinda a fazenda.

Aos poucos vamos entrando na fazenda, ao subir as escadas lembro-me de quantas vezes brinquei naquele local.

- O vento daqui é mesmo inconfundível - penso alto.

- Lembra-se de quando brincávamos aqui com Lucila?

- Claro que sim, que fim deu aquela menina, minha mãe?

- Bibiana, temos coisas mais importantes para se preocupar do que com o paradeiro de uma negrinha.

Adentrando a mansão vejo Venâncio, Inácio e Mauro jogando um carteado na sala ao lado. Corro para abraçá-los.

- Meus irmãos, que saudade!

- Minha princesa, como você cresceu - diz Mauro pegando em meus cabelos e analisando cada detalhe meu.

Os olhos de Mauro brilhavam, nunca imaginei que meu irmão sentirá tanta saudade de mim. Desde que me mudei para Portugal o vi apenas uma vez quando tinha 15 anos. Agora cinco anos depois parece que ele se deu conta que sua menina cresceu. Minha ligação com Mauro foi sempre grande, escrevíamos um para o outro sem falta a cada 1 mês no máximo, a saudade era do abraço, do toque, mas nossos corações sempre estiveram um perto do outro.

- Alguém lembra que tem um caçula na família? - Saulo entra na sala de jogos de mãos dadas com Henriqueta.

Sem que tivesse tempo de respirar Mauro e Inácio saltaram e o abraçaram tão forte que por um momento pensei que meu caçula não respirava mais...

- Acalmem-se, sei que sou o irmão favorito, mas não precisam me sufocar. Tem Saulo para todo mundo.

O humor de Saulo era o que me mantinha feliz todos os dias. Com ele não havia tempo ruim. Toda hora era a hora de ser feliz.

- Ainda bem que você está aqui Saulo, a família estava sentindo falta de mais um homem para ajudar nas rotinas. Ou o Doutorzinho não pode pegar no pesado? - Venâncio levanta-se nos fuzilando, demonstrando descontentamento com nossa chegada.

- Será que não pode apenas fingir que gosta da gente - digo brava.

- Senhora - Venâncio curva-se pegando a mão de Henriqueta - Quando vão me apresentar essa bela jovem?

- Essa é Henriqueta, minha noiva.

- É um prazer conhecê-lo Senhor! - puxa sua mão sem movimentos bruscos.

Venâncio e Inácio são gêmeos, no entanto suas personalidades são totalmente diferentes. Enquanto Inácio é amoroso, receptivo e doce, Venâncio possui os sete pecados capitais de forma intensa, sua arrogância prepondera e arruma inimigos onde vai.

Adelaide surge na porta com o intuito de nos encaminhar para nossos aposentos. Despeço-me dos meus irmãos e junto com Saulo e Henriqueta vou para a ala da casa que da acesso aos quartos.

Ano 1800Onde histórias criam vida. Descubra agora