- Poderia ter demonstrado mais felicidade com a chegada de nossos irmãos - digo a Venâncio.
- Venâncio pareceu mais interessado na saia de Henriqueta do que na chegada dos irmãos.
- Ora, não me amolem! - bate na mesa - vamos continuar a jogatina. Em breve Betina vai chegar e vai querer atenção.
- A Dalila desde que engravidou está desesperada por atenção também - Inácio coloca a mão no queixo pensativo - mas segundo ela, a atenção agora é dobrada, afinal tenho que cuidar dela e do bebê.
- E você Mauro, quando vai casar-se? Até aquela bichinha do Saulo com uma noiva e você até agora nada.
- Quando chegar o momento certo Venâncio. Isso não é prioridade agora.
A pressão aqui em casa para que eu arrume uma noiva é grande. Venâncio casou-se com 22 anos. Inácio com 23. Saulo com 18 já tem uma noiva. Bibiana ainda não sabe, mas papai já tem planos para ela. E eu com 26 anos ainda sequer encontrei alguém que fizesse meu coração bater.
Sou romântico, essas coisas de casar somente pensando no dote não é para mim. Não sinto atração por essas moças da cidade. Todas parecem vazias e desesperadas. Quem vai arrebatar o coração do ultimo solteiro da família Ferreira. Parece até que há uma competição rolando.
No momento acredito que sou o solteiro mais cobiçado de Porto Seguro, e isso me incomoda um pouco. As vezes tenho vontade de fazer como Saulo e ir morar em Portugal. Nessa fazenda sirvo apenas para cuidar da parte burocrática, pois segundo Venâncio " gente mole não pode tratar com negros".
Vislumbro o dia em que todos possamos andar juntos, onde a cor não nos separe. Meu pai diz que é utopia. Mas o que esperar de alguém com a cabeça tão antiquada.
- Com licença senhores... Mauro pode me acompanhar?
- O que deseja, Adelaide?
- O comerciante está entregando as frutas. Como o senhor gosta de verificar a qualidade...
- Vamos lá - levanto-me - sigam o jogo, minhas cartas estão na mesa.
...
- Boa tarde, me chamo Mauro. Vou verificar os produtos.
- Boa tarde, sou Plínio. Meu tio me deu emprego na mercearia. Ele já estava ficando velho para fazer as entregas.
- O velho não se entrega não é mesmo - sorrio.
- Se ele parar quem vai tocar aquele negócio?
- Os filhos não se interessam...Aqui em casa meu pai tem vários sucessores para tocarem a fazenda após sua partida.
Enquanto observo a qualidade das frutas, no canto do olho posso ver o entregador olhando as fotos da minha família.
- Vocês tem uma bela família.
- Minha mãe sabe fazer filhos - vejo que ele ficou sem graça - algum problema?
- Nenhum, senhor. Total de 3 moedas.
Ao entregar as moedas observo um pequeno desconforto no jovem. Por um segundo ao tocar suas mãos sinto o que acredito ser o mesmo desconforto que ele. Meu estômago embrulha. Minhas mãos tremem. É possível que tenha algum veneno nessas frutas? As vezes sou um pouco paranoico. Deve ser um resfriado.
- Adelaide - grito - acompanhe o entregador até a saída.
Plínio é um rapaz engomadinho, não serve para aquele trabalho braçal. Não entendo o motivo de estar trabalhando com seu tio. O velho Matias era xucro, calejado. Nas mãos deste entregador não observei calos. Enfim, ele deve ter seus motivos. Dinheiro, grana. O mal da humanidade.
Ao guardar as frutas são consigo lembrar daquele leve desconforto que senti. Parece com o desconforto que senti quando cai do penhasco. Uma mistura de medo com adrenalina. É algo no ar, só pode ser.
- Tudo certo por aqui senhorzinho - questiona Adelaide ao entrar na dispensa.
- Ora, teria algum motivo para não estar? - respondo ríspido sem saber o motivo para ter feito.
- Apenas imaginei que o senhor precisava de ajuda. Me desculpe.
- Me desculpa pela forma que falei, estava distraído. Você pode continuar daqui.
Saio meio aéreo, minha cabeça está naquele entregador. Não consigo imaginar o motivo. Mas estou ansioso para vê-lo novamente.
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Ano 1800
RomanceEm 1800 os negros são feitos de escravos nas terras brasileiras. O território é liderado por homens que visam apenas uma coisa: explorar as riquezas do solo. No entanto a tradicional família ferreira fez de Porto Seguro seu lar. Amaro e Brígida tiv...