- Vou sair para cavalgar - digo animado a Henriqueta - me acompanha senhorita?
- É tarde Saulo e também não é de bom tom que uma moça saia sozinha com um rapaz, ainda que seja seu noivo - interrompe minha mãe.
- Preciso sentir o cheiro do campo - insisto.
- Vá meu bem, eu vou ver o enxoval que sua mãe está preparando para nosso casamento.
Saio em direção ao estábulo e me preparando para encilhar m cavalo, quando chego ao local me deparo com uma cena que nunca suportei, os negros fazendo todo trabalho braçal para que os brancos possam desfrutar do conforto.
Esse estábulo está pegando fogo, está muito quente. E eles trabalhando dentro destas paredes como se não sentisse nada, afinal já estão acostumados com o calor diariamente.
Olho para aqueles dois negros que lá estão e sequer levantam a cabeça para me cumprimentar, como se fosse terminantemente proibido qualquer contato de raças diferentes.
- Boa tarde senhores - digo na intenção de mostrar que para alguém eles não são invisíveis.
Não obtenho nenhuma resposta, assim tomo a frente, peço licença e pego das mãos de um dos homens a escova que ele estava utilizando para deixar o animal mais apresentável.
- É um belo bicho - insisto na comunicação.
- É sim - ouço uma resposta tímida.
- Meu nome é Saulo, sou o filho mais novo do Amaro.
O silêncio ainda continua sendo gritante naquele local, embora eu não espere que eles sejam receptivos com o filho do senhor que os aprisiona, espera pelo menos que fossem mais dóceis. Sei que meu pai é severo, assim não imagino pelo o que passam nesta fazenda.
- O senhor vai cavalgar? - pergunta o outro homem - precisa que eu encilhe o cavalo?
- Pode deixar comigo - pego os acessórios - acho que isso ainda sei fazer.
Os dois se retiram do estábulo mudos, se trocaram uma duzia de palavras devo me contar feliz. Subo naquele cavalo e vou sem rumo cavalgado nas terras de meu pai. Passo pelas plantações, ao redor da senzala, no riacho que banha a propriedade e por fim me deparo com uma bela cachoeira. Lembro-me vagamente deste lugar.
Ao amarrar o cavalo na árvore ouço barulhos vindos da água, atrás destes arbustos consigo ver uma silhueta feminina banhando-se nas águas que descem da cachoeira. É uma bela jovem de pele negra de cabelos longos, um tipo diferente de mulher. Deve ser descente de índios pois seus cabelos são escorridos. Parece até alguém que conheço.
Será que é Lucila? Fico alguns minutos observando seu corpo nu em contato com a água. Meu desejo é entrar lá naquele momento e tomá-la em meus braços. Instintos masculinos. Como controlar?
Continuo a observar quando vejo se aproximar da cachoeira um homem. Seus olhos estão fixos na moça. Ela finalmente percebe sua presença. Visualizo o que parece ser uma discussão. Fico atento a cada detalhe. Ele começa a se despir vagarosamente, como se quisesse torturar a moça com aqueles segundos em que ele tira a roupa.
Percebo o desconforto estampado nos olhos dela, eu preciso interferir.
- Atrapalho alguma coisa? - pergunto em um tom intimidador.
- Depende, quem é o senhor? - questiona o homem.
- Saulo, filho de Amaro.
- To tentando fazer essa negra trabalhar, mas ela recusa sair da cachoeira.
- E o senhor está tirando sua roupa por qual motivo?
- Para fazer com que ela saia a força de lá.
- Vista-se, senhor... Como devo chamá-lo?
- Sebastião, ao seu dispor.
Rapidamente o homem recompõe-se. Os olhos da moça estão parados me observando. Peço para que ele saia e nos deixe a sós. Ao pedir para que ele se retirasse ele olhou para a jovem com um sorriso amedrontador. Seus olhos eram de um sádico. Deve ter imaginado que eu iria estuprá-la.
- Com licença senhor - diz ao se retirar.
Alguns minutos se passaram desde que aquele homem foi embora e mesmo assim não trocamos nenhuma palavra. Tentar criar coragem para trocar algumas palavras com a jovem mas parece que o gato comeu minha língua.
— Está tudo bem Lucila — chamo-a pelo nome, afinal tenho certeza que aquela bela jovem é a criança que brincava na minha infância.
— Saulo? — Com a voz doce, questiona — ainda lembra de mim?
— Estava te observando há algum tempo, mas não tive coragem de me aproximar. Até a chegada daquele homem, Sebastião é esse o nome não é mesmo?
— Ah sim, você conheceu ele da pior forma.
Vejo que Lucila ficou desconcertada, parece que não gosta muito de Sebastião. Não sei se devo questionar o motivo pois faz muito tempo que não a vejo e não temos tanta intimidade. Peço para que ela se vista e assim possamos conversar de uma forma menos constrangedora, afinal ela está nua em minha frente.
— Anda pega sua roupa vou virar de costas para que possa se vestir.
— Obrigada pela gentileza senhorzinho.
Poucos segundos se passaram até que ela ficou pronta. Virei-me para conversarmos agora de forma menos constrangedora. Antes mesmo que eu pudesse falar qualquer coisa, Lucila se pendurou em meu pescoço e me deu um abraço, me fazendo lembrar de todos os momentos que tivemos na nossa infância.
Sentamos em uma pedra na beira da cachoeira e relembramos nossos bons momentos. Começou a cair a noite e na família Ferreira temos a tradição de jantar pontualmente às 19h00.
— É tarde , precisamos ir digo — uso um tom triste, afinal para mim este momento poderia ser eternizado.
Subo no cavalo e peço para ela suba também. A deixo nas proximidades da senzala e chego para jantar.
— Você foi pontual hoje irmão— sou recebido com a gentileza de Venâncio.
Essa mesa parece pequena agora para tantas pessoas.
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Ano 1800
RomanceEm 1800 os negros são feitos de escravos nas terras brasileiras. O território é liderado por homens que visam apenas uma coisa: explorar as riquezas do solo. No entanto a tradicional família ferreira fez de Porto Seguro seu lar. Amaro e Brígida tiv...