Os cães estavam irrequietos, e Leôncio, o capataz, mal conseguia conter os enormes animais que pareciam farejar algo suspeito. O homem fitou Lucas e Mateus, que trocaram um olhar e, sem palavras, assentiram, permitindo que Leôncio soltasse os cães. Os animais não hesitaram: dispararam como flechas através dos cafezais. Lucas gritou em aviso ao capataz:
— Que teus cães não façam estrago nas plantas, Leôncio! Se algo acontecer a meu pai castigará a todos nós.
— Sinhô, uma coisa lhe digo... — murmurou o capataz, de pele marcada pelo sol do trabalho e endurecida pelo tempo. — Há um quê de estranho nesses cafezais... os cães não ladram assim sem razão.
De fato, os cães pareciam inusitadamente excitados naquela manhã. Leôncio despertara antes da aurora, o insistente ladrar alertando-o para algo inusitado. Correu à sua penteadeira, de onde retirou a pistola, temendo que algum escravo houvesse fugido. Conhecia bem o temperamento de Seu João, senhor austero e de pulso firme, famoso por castigar aqueles que lhe contrariavam a vontade.
Leôncio ainda se lembrava do dia em que o senhor ordenara chibatadas numa escrava por ter quebrado uma peça de louça, herança de família. Ele, um homem de coração gelado, chegou a ter pena ao ver a desmedida punição.
Mateus partiu à frente, deixando Lucas e Leôncio para trás. Ambicioso, queria ser o primeiro a capturar o escravo fujão, ansioso por ganhar o favor da bela dama Isabelle. Se o objeto que ela mencionara na noite anterior era realmente de valor, ele faria de tudo para recuperá-lo antes de seu irmão, que considerava tolo.
Os latidos aumentaram de intensidade; os cães estavam perto, mas pareciam receosos de avançar. Leôncio foi o primeiro a cruzar o denso cafezal, seguido por Lucas, que se mostrava animado com a perseguição.
Com a pistola já em punho, o capataz aproximou-se, pronto para qualquer ameaça. No entanto, o que encontrou fez com que seu estômago revirasse. Jazia diante dele o cadáver de um jovem escravo negro, o corpo estraçalhado por mordidas e mutilado. Partes de sua barriga faltavam, e os pés estavam completamente mastigados. Corvos haviam encontrado o corpo primeiro, roubando-lhe o olho esquerdo, mas fugiram ao ouvir os cães.
— Então, achaste o traste? — Mateus perguntou ao aproximar-se, encontrando Leôncio a fazer o sinal da cruz.
— Achei, mas temo que algo o encontrou antes de nós, sinhô... — Leôncio guardou a pistola.
— Que fazes, homem! — Mateus deu-lhe um tapa na nuca. — E se a fera que o devorou ainda ronda estas terras?
— Creio que os cães não se agitaram à toa... parece coisa de onça, sinhô... — disse Leôncio, tentando convencer Mateus a deixarem o local.
Aquele lugar estava lhe dando calafrios, não queria ficar mais tempo em um canto onde não tinha uma visão privilegiada do bicho que caçou o pobre rapaz. Mateus contragosto, aceitou voltar com o irmão e o capataz, mas voltara frustrado, não foi daquela vez que surpreenderia Isabelle.
Naquela noite, uma brisa fria inesperada desceu sobre a vila de São Paulo, fazendo com que os habitantes se agasalhassem mais do que o habitual. No centro, a pequena igreja aguardava seus fiéis para a missa. João fazia questão de que os filhos, Lucas e Mateus, crescessem como filhos de Deus, como prometera à esposa em seu leito de morte.
Ao chegarem, perceberam que a igreja estava especialmente cheia. Dentre a multidão, uma figura familiar aproximou-se: Célia, uma mulher de aparência distinta, com cabelos negros presos por uma presilha adornada.
— Como estão formosos! — disse a mulher, olhando-os com um sorriso afável e selando um beijo em seus rostos. — Vejam, minhas amigas, meus sobrinhos crescem fortes e bonitos!
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O Amor de Isabelle
VampireLucas e Mateus são filhos de um fazendeiro bem-sucedido no ramo de produção de café. Uma noite sentados em sua varanda, os irmãos conhecem a misteriosa Isabelle, que acabara de mudar-se para o terreno próximo ao deles. Uma violenta paixão arrebata o...