Capítulo 04: Encontro Inesperado

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Lucas ainda se sentia exausto da noite passada, e seu pai lhe ordenara que fosse à cidade resolver alguns assuntos. O jovem sabia que, se ficasse em casa, acabaria por mergulhar novamente em seus pesadelos, o que não lhe seria de qualquer proveito, nem agradaria a seu  João. A verdade é que ele acreditava que uma breve saída poderia lhe trazer algum alívio, distrair a mente atormentada que carregava.

Assim, o filho caçula partiu com o cocheiro, e ambos seguiram para o centro comercial da pequena cidade. Lucas, de sua parte, observava a beleza dos campos rurais ao longo do caminho. A paisagem parecia suavizar os tumultos de sua mente, conferindo-lhe uma serenidade momentânea. Por vezes, esquecia-se de como aquele lugar, tão calmo e pacífico, era capaz de abrigar seus pensamentos mais sombrios.

O trajeto tomou o tempo habitual, e embora o sol estivesse abrasador para a hora do dia, o jovem não se incomodou. Mesmo com o suor correndo por baixo de suas roupas, a luz do dia e a distância de sua morada afastavam aquela sensação de desolação que se apossara de seu lar nas noites mal dormidas.

Chegando aos limites do centro comercial, ambos notaram uma estranha movimentação entre os moradores e curiosos. Diante de uma loja, uma aglomeração se formava, todos desejando saber das últimas novidades. A polícia retirava um corpo coberto por um pano branco, e Lucas pôde vislumbrar um braço pendente, exposto ao olhar dos mais atentos. Era pálido, quase cadavérico, e o jovem fazendeiro deduziu que o morto era, sem dúvida, um homem ou rapaz.

Teriam encontrado outro corpo? indagou-se ele, inquieto.

Lucas foi subitamente arrancado de seus devaneios pelos gritos de uma mulher em completo desespero. A senhora, de formas rechonchudas e cabelos presos em um coque, ainda vestida com seus trajes de dormir, se despedia aos prantos do defunto. Ao lado dela, um homem da mesma idade avançada tentava, sem sucesso, consolá-la.

— O que aconteceu? De quem é o corpo? — Lucas ouviu uma moça curiosa perguntar a um dos presentes.

— Dizem que é o filho do padeiro respondeu outra voz. Fomos criados juntos, apenas isso... — complementou, em um tom pesaroso.

— Meus pêsames! foi tudo o que Lucas conseguiu ouvir antes de seguir seu caminho.

Afastando-se daquele tumulto, o rapaz voltou a ser assaltado por um mal-estar, uma sensação sombria que o impedia de concentrar-se nos afazeres que seu pai lhe havia confiado. Ao passar pela capela da cidade, notou que as portas estavam abertas, e seu interior, vazio. Pediu ao cocheiro que parasse e desceu da carruagem, decidido a entrar.

Ele atravessou o corredor da paróquia e, em seguida, sentou-se em um dos bancos de madeira. Diante da imagem de Cristo na cruz, ajoelhou-se e começou a rezar.

— Senhor, protegei-nos deste mal que ronda nossas casas e consome vossos filhos — implorou, a voz baixa e suplicante, as mãos entrelaçadas, os cotovelos apoiados no encosto à sua frente.

Enquanto rezava, imagens de seus sonhos perturbadores voltavam à sua mente. A voz sedutora que o chamava insistentemente, o nevoeiro espesso que tudo cobria... Tudo aquilo o invadia de maneira violenta, intensificando seu sofrimento. E, por fim, a lembrança do corpo do filho do padeiro.

Lucas não percebeu que não estava mais sozinho. Ao abrir os olhos, forçando-se a sair daquele transe, notou a presença de alguém sentado ao seu lado. Reconheceu imediatamente o homem de vestes negras, colarinho branco e crucifixo dourado: era padre Inácio.

O servo de Deus aparentava ter entre trinta e quarenta anos, embora os primeiros fios grisalhos já começassem a aparecer em seu cabelo escuro. Ainda assim, havia algo de vigoroso em sua presença.

O Amor de IsabelleWhere stories live. Discover now