Se for um sonho, não me acorde.

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O último dia de aula da universidade pareceu mais longo depois que anunciaram essa viagem, uma viagem para o Amapá, para visitar o rio Amazônico, onde um pescador jura por Deus que foi chamado por uma sereia. Uma sereia. E ai, a universidade federal resolveu pegar o primeiro carro universitário e partir para as margens do rio, para estudarmos o que levou o pescador a crer ver uma sereia.
— Sonhando com a Iara? — Disse Matheus, interrompendo meus pensamentos. Ele sorria animado e eu odiava aquele tipo de felicidade, não queria viajar, eu estava triste, na noite anterior a mulher mais linda do universo, Camila, terminou comigo, eu duvido que até mesmo a Pequena Sereia me faria esquecer aquela garota.
— Estou pensando em peixe, Matt, vou levar muitos pra casa e enfestar esse carro com o cheiro.
A viagem curta durou cerca de duas horas, no quarto da pousada eu olhava a tela do meu celular, nenhuma mensagem da Cami, só nossa foto como bloqueio como sempre, eu quis mandar mensagem, não Arthur, ela te deixou. Ela me deixou, o término da faculdade nos afastou, era para resultar em casamento, mas resultou em um "acabou, vai para casa."
A ida no rio foi a maior besteira desses anos de faculdade, não existem sereias, mas existem explicações psicológicas sobre o que levou o pescador a achar que viu.
— Vamos, Arthur, pelo menos finja que está pesquisando algo. — Disse o professor Augusto —Fiquei sabendo que depois os garotos vão dar una festa.
— Você quer uma resposta? Olha a sua volta, ali tem uma pedreira, onde todas as imagens da Iara são reproduzidas. Ele viu o que quis ver, uma sereia em uma pedra. Já podemos voltar ou vamos pesquisar mais sobre, literalmente, história de pescador?
Dó. Eles tinham dó de mim. Todos eles, até Camila tinha dó de mim, eu via isso em seus olhos quando ela me deixou. De um estudante de psicologia a digno de dó.

As horas seguintes no hotel se basearam em playlists de Ed Sheeran e áudios da Cami cantando suas músicas preferidas, ela sempre cantou tão bem, as vezes eu pedia pra ela parar de perder tempo estudando engenharia e fazer música, mas ela sempre respondia que sua verdadeira paixão era construir casas, inclusive a nossa. Fiz uma lista mental de mentiras que ela contou, foram tantas, que dormi.
— Acorda caçador! — Disse Matheus ao me balançar enquanto eu dormia, acordei irritado como sempre.
— Festa? Eu to fora.
— Vai se matar desse jeito, babaca. Levanta, festa. Vamos ate entrar no rio para caçar sereias.
— Tem razão, o que eu preciso é beber cerveja em copos vermelho fingindo que sou americano - Eu revirei os olhos, me levantei e troquei de roupa, e então, fomos para a festa.
Eu não sei ao certo o que dizer, mas Renato Russo diria: festa estranha, com gente esquisita. Meia dúzia de alunos da minha universidade, o restante, nunca tinha visto na vida.
— Vamos nadar na pedreira, o que acha? —Perguntou Natalia se aproximando de mim e sentando ao meu lado, a unha grande dela segurava com força no copo.
— Natalia, eu não nado. Você sabe. — Ela era minha melhor amiga, desde o ensino médio, e então passamos na mesma faculdade, para o mesmo curso.
—Está na hora de aprender.
Ela levantou e tirou seu curto vestido, suas curvas já tinham tirado meu fôlego em outros carnavais, hoje eu só pensava nas curvas da Camila. Como uma verdadeira sereia ela mergulhou, o sorriso convincente me fez entrar na água com ela, andei ate o outro lado na pedreira e me sentei em uma pedra grande, olhando ao redor, tudo que conseguia ouvir era o vento batendo sobre as árvores e uma bela voz a cantar. Uma bela voz a cantar? Camila. Era a Camila a cantar, a voz bonita e suave eu reconheceria em todo lugar.
Seguindo a voz pela floresta a dentro, meu coração cantava junto com a voz de minha amada, a cada passo que eu dava sentia o ar falhar, então ali estava ela, a pentear os cabelos sentada em uma pedra, suas pernas cobertas pela água, e ela continuava a cantar. Eu a segui.
— Camila, eu não acredito que você está aqui! — Eu sorria como se ela fosse a última garota que eu amaria, e talvez fosse, eu queria que ela fosse.
— Oh, meu amado. — Ela tocava meu rosto, a escuridão não deixava que eu a visse, ela aproximou seu rosto do meu, e antes que o beijo iniciasse seu rosto se tornou horrendo, seus dentes afiados e olhos totalmente brancos, eu quis gritar, mas apenas a beijei, era ela, tinha que ser.
O ar em meus pulmões estavam falhando, meus olhos abriram lentamente e cada pedaço meu torcia para que não fosse um sonho, ela está aqui. O sorriso largo e os olhos iguais aos que eu sempre me lembrei, nos estávamos deitados na cama da casa que dividimos durante três anos.
— Você me deixou.— Eu dizia.
— Oh querido, eu não estou aqui — Ela ria. Seus dentes e olhos voltaram a me assustar - Volte a realidade se quiser sobreviver, eu não estou aqui.
A água perfurava meus pulmões, eu estava afogando, me debatia sobre as águas enquanto a sereia me encarava, quanto mais afundava, mais lembrava de Camila, seu sorriso, sua voz, o sexo, e finalmente o término, quando abri a porta do quarto e ela estava com outro. Ela me traiu, e terminou comigo.
— Eu não quero acordar, me leve de volta para onde estávamos.
Ela sorriu tocando novamente minha cabeça, ela penetrou meus pensamentos, e até o ar me abandonar eu fui feliz ao lado dela.

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