O som que faziam os dedos a digitar no teclado do computador portátil era uma cadência entrecortada e desafinada, que incomodava os ouvidos da jovem Liz Sanders, ainda que fosse ela própria a tocar aquela sinfonia medonha. Repleta de intervalos bruscos na harmonia, produzidos pelo ato de martelar uma única e longa vez o botão Backspace, ao fim de cada conjunto de dez palavras que escrevia.
Aquilo não estava funcionando - era o que a teimosa jornalista freelancer já havia concluído, há pelo menos duas horas atrás.
Inclinou mais uma vez a caneca, que estava ao alcance da mão direita sobre mesa, só para constatar que não havia mais nada ali dentro. Suspirou então, levando as duas mãos ao rosto e inclinando ligeiramente o pescoço para trás.
Não obstante a frustração de não estar conseguindo escrever algo decente que fosse - tão próximo do fim do prazo para a entrega da matéria - Liz recebeu a visita do pensamento que a assombrava repetidamente, desde que sua vida desmoronara sob seus pés, há exatos oitenta e três dias, seis horas e quarenta e seis minutos.
Será que meus pais estavam certos em não gostar da minha escolha pelo jornalismo?
Será hora de pensar em outra profissão?
Desviou seu olhar, das palmas das mãos, rapidamente pela tela do computador e direto para a janela do apartamento. As luzes da incansável Nova York cintilavam avidamente do outro lado do vidro. As filas de faróis amarelos, brancos e vermelhos, quase tão parados quanto às filas de janelas iluminadas dos prédios à volta e o burburinho da vida noturna que invadia furtivamente a sua pequena sala.
Em algum lugar lá fora está acontecendo algo importante. Algo grande! E aqui estou eu, que não chego a lugar nenhum.
Levantou-se e foi até a cozinha. Era só cerca de três ou quatro passos da mesa onde estava. Mas aquele apartamento parecia ficar maior a cada dia que ia embora.
Sobre o pequeno balcão que separava os dois ambientes havia um porta retrato virado para baixo. Com uma olhadela na direção do objeto Liz se limitou a resmungar - Cinco anos! Filho da mãe!
Dentro da pia ainda haviam dois copos. Os dois usados por ela. Por um instante achou engraçada a ideia de que morar sozinha era isso: não ter que se importar com a bagunça que porventura se deixa ali para depois, afinal não havia mais ninguém para reclamar dela.
Abriu o armário e alcançou a caixa em forma de prisma onde vinham as cápsulas para a máquina de café. Apesar de estar escrito na embalagem que continham quinze, Liz balançou até que a única e última cápsula escorregasse para sua mão. Quando ia praguejar foi interrompida por sua consciência, que maternalmente a advertia de que ela precisava com urgência de mais disciplina em sua vida, e não só de mais café.
Enfiou a cápsula na máquina e ficou observando o líquido espesso escorrer para dentro da pequena xícara de vidro transparente. Refletiu sobre quantas horas teria que aguentar até poder sair para comprar mais café. Equacionou aquele tempo com o que provavelmente passaria em frente ao computador terminando seu artigo e quanto lhe restaria para dormir.
O resultado não era nada animador. O café enchendo a xícara era como a areia de uma ampulheta que a forçava a se lembrar que o seu tempo estava correndo. Passou então a olhar para o próprio reflexo, na superfície de metal polido do corpo da máquina.Seus olhos azuis estavam opacos e eram as olheiras que pareciam ganhar tonalidade. Os lábios carnudos, há muito sem exercitar-se num sorriso, já não chamariam tanto a atenção de quem quer que fosse. E decidiu que precisava, definitivamente de um corte novo de cabelo. Mais moderno do que as atuais madeixas debruçadas sobre os ombros. Tudo em sua aparência e em sua roupa refletia com incômoda exatidão a falta de novidade em sua vida.
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O Círculo de Lilith - Coleção Flertes Perigosos
HorrorOs caminhos de quatro garotas se cruzam com as armações nebulosas de uma seita demoníaca e cada uma delas se vê em um nível diferente de poder, segredo, e ameaça. Flertar com o sobrenatural nunca pareceu tão excitante para elas, mas não quer dizer q...