Brune (e/elu/e)

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A vida de Brune seguia uma monotonia infernal. Acordar de manhã, ir para seu emprego de assistente numa drogaria, voltar para casa para comer e tomar banho, e então ir para a faculdade de Farmácia à noite. Todo dia, o mesmo roteiro. O que incluía, claro, ser maldenominade o tempo inteiro no trabalho e na sala de aula.

No emprego era: "Brun█, pegue tal medicamento."

Na faculdade: "Brun█, faz dupla comigo no exercício?"

A família nada sabia, óbvio.

Elu ainda tinha seus receios em retificar o nome. Tanta burocracia envolvida! As pessoas da família, do emprego e da faculdade comentariam. Haveria perguntas chatas. Haveria questionamentos sem noção. Dores de cabeça everywhere.

Mudar o nome também não garantiria que não seria tratade da maneira mais adequada. Se ao menos as pessoas falassem de uma forma mais neutra, sem repetir tantos marcadores de gênero, sem querer enfiar gênero em tudo.

"Qual a fucking necessidade de me chamar de menin█ o tempo todo?", elu se perguntava quando olhava pro Seu Manoel, o farmacêutico responsável da drogaria.

Uma pessoa, provavelmente mulher cis, entrou na drogaria. Foi logo em direção a Brune.

"Lá vem. Brace yourself for misgendering."

— Olá. Estou procurando nimesulida — disse numa voz educada e serena.

"Uau. Ganhei o dia?"

Brune direcionou a pessoa para seu outro colega, um farmacêutico formado que prestaria o devido atendimento. Um minuto depois foi solicitade a pegar uma caixinha do medicamento numa prateleira mais ao fundo.

Voltou e entregou na mão da pessoa.

— Obrigada — e se dirigiu ao caixa.

"Viu, humanidade? Que que custa tratar todo mundo assim?"

Minutos depois entrou uma pessoa mais jovem, provavelmente já em seus dezoito anos. Provavelmente era um menino cis. Avistou Brune, se aproximou e disse:

— Preciso de dipirona. Pode ser de gotinhas.

— Claro.

"Será que é hoje o dia?"

Brune foi até o local específico, pegou um pacotinho, e o levou nas mãos da pessoa. Dipirona não precisava de prescrição nem grandes orientações.

— Valeu, moç█.

Ah... decepção!

"Bem, não dá pra ganhar todas", pensou, quase rindo mentalmente de sua própria desgraça.

Às vezes elu tinha vontade de explicar a questão para sues colegas de profissão. Com exceção de Seu Manoel e de Jandira, a atendente do caixa, ambes mais velhes, sues outres três colegas eram jovens.

Brune preferia colocar fé na questão da juventude, muito embora tenha sido pesadamente discriminade em redes sociais por pessoas de sua idade e mais novas.

O binarismo de gênero era milenar e não tinha idade. Assim como uma doença hereditária, continuava a ser passado de geração em geração.

As gerações atuais até que estão fazendo um bom trabalho questionando papeis e normas de gênero. Brune confiava que isso era sinal de um futuro melhor. Mas os passos eram lentos...

— Ei... — seu colega, Marcos, chamou enquanto ajeitava pacotinhos de medicamento de uma prateleira.

"Ai, lá vem ele com suas investidas. No, thanks, bro."

*Seis Pessoinhas*Onde histórias criam vida. Descubra agora