2° Capítulo - Clarissa

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De repente as pancadas pararam e as luzes apagaram, eu podia ouvir a respiração acelerada de Thomas ao meu lado, então, escutei meu pai gritando e as batidas voltaram.

- Thomas, fique aqui e tranque a porta, só abra quando eu mandar. - Disse a Tom.

Tropecei no escuro a procura da mesa de estudo, onde eu guardava a lanterna. Direcionei o facho de luz em Thomas, o garoto estava extremamente pálido.

- Eu já volto. - disse, colocando a mão sobre seu ombro.

Abri a porta e em seguida ouvi ela sendo trancada. A luz da lanterna iluminava apenas alguns centímetros a minha frente, segui o longo corredor até a porta do quarto dos meus pais. As pancadas se tornaram mais altas a medida que eu me aproximava, os pelos da minha nuca se arrepiaram. Levantei minha mão para pegar a maçaneta e ela começou a girar lentamente. Hesitei. Respira e abra, me ordenei. Segurei a maçaneta com força e tentei abrir, mas algo bloqueava a porta. As pancadas pararam novamente, empurrei a porta mais uma vez, só que dessa vez usei mais força e ela abriu. Cheiro de sangue impregnava o quarto, o lençol estava no chão. Minha mãe estava debruçada sobre meu pai, apontei a lanterna para seu corpo. E, então, percebi. Minha mãe estava comendo meu pai (literalmente), em um movimento rápido ela se virou para me olhar. Seus olhos estavam vermelhos, as veias do rosto estavam pretas, ela grunhiu e então, avançou em minha direção. Corri para sair do quarto e voltei para o corredor, de volta para meu quarto. A porta estava trancada. Eu batia freneticamente, olhei para o corredor e minha mãe vinha em meu encalço.

- Thomas, abra!ABRA!!! - Gritei, desesperada.

Ouvi a porta sendo destrancada e empurrei, caindo no chão assim que foi aberta.

- Fecha!!!

Thomas rapidamente fechou a porta, peguei a lanterna e apontei para meu sobrinho. Seu rosto pálido estava coberto de lágrimas, os olhos arregalados. Me levantei e fui em sua direção, nos abraçamos. As batidas agora eram na porta do meu quarto.

- O que aconteceu? - sussurrou Thomas em meu ouvido.

Seja honesta, pensei. Sempre fomos honestos um com o outro.

- Minha mãe... Ela estava comendo... Meu...Pai. - Gaguejei.

Meu choro se juntou ao de Tom, eu tinha que agir. Tinha que ajudar que ajudar meus pais, talvez fosse algo passageiro, nos soltamos do abraço.

- Quando eu mandar, você abre a porta. Quando eu der uma ordem, você obedece, entendeu? - Perguntei, Thomas assentiu.

Respirei fundo e olhei para Thomas, ele segurava a maçaneta. As batidas na porta continuavam.

- Abra devagar. - Sussurrei.

- Ok. - Confirmou Thomas.

Tom abriu a porta lentamente... E, então, tudo aconteceu muito rápido. Minha mãe avançou em minha direção, eu não esperava aquele ataque. Ela pulou em mim, suas mãos tentavam me agarrar, sua boca abria e fechava, seu hálito fétido invadia minhas narinas. Usei minhas mãos para manter as suas afastadas, a lanterna rolou para o lado, percebi que Thomas se aproximava.

- Corre, Thomas! - gritei.

Thomas correu, enquanto isso minha mãe tentava me comer. Me estiquei e peguei a lanterna, bati com ela em sua cabeça, mas foi como se nada tivesse acontecido. Usei minha perna esquerda para apoiar o resto do meu corpo no chão e com a direita dei um chute no seu estômago, ela foi lançada para longe. Me levantei rapidamente, saí do quarto e disparei pelo corredor, ao chegar no topo da escada, escorreguei e caí rolando escada abaixo. Forcei meu corpo a se mexer, minhas pernas, costelas e cabeça doíam demais. Vasculhei a sala e Thomas não estava, fui para a cozinha e vi Thomas tentando abrir a porta, barulhos de grunhidos indicavam que minha mãe estava se aproximando.

- Abre logo! - Gritei.

- Não estou achando a chave. - Respondeu Tom.

Minha mãe avançou, peguei uma cadeira e joguei em sua direção. Thomas usava a lanterna para tentar achar as chaves, sobre a pia havia um faqueiro, puxei uma faca de tamanho médio.

- Achei! - gritou Thomas.

Minha mãe se levantou e avançou na minha direção, foi então, que enterrei a faca em seu peito, mas foi em vão, chutei sua perna e ela caiu. Puxei outra faca, desta vez maior.

- VOCÊ NÃO É MINHA MÃE!!!

Enterrei a faca em sua cabeça, eu não pensava, apenas agia. Os movimentos eram automáticos, a faca entrava e saía de sua carne. Seu sangue manchava meu rosto, mãos e roupa. Minha regata branca agora estava vermelha. Me afastei, lágrimas molhavam meu rosto, coloquei a faca no chão e me ajoelhei.

- Meu Deus, o que eu fiz? - me perguntei, enquanto olhava para minhas mãos.

Senti Thomas tentando me levantar, obedeci, sem me dar conta dos meus movimentos.

- Vamos, tia.

Fui até a porta, ao pegar na maçaneta ouvi um grunhido. Olhei para trás e vi meu pai se aproximando , me encarando.

- Ah, não.

- Corre, tia. - Pediu Thomas com a voz embarcada.

Corremos para a lavanderia e fomos parar em um longo corredor, no final havia as escadas que davam para a garagem. Thomas ia na frente, então ouvi uma voz.

- Aqui, garoto! - sussurrou uma voz masculina.Thomas desviou da escada e foi para o terraço em direção a voz.

- O que você tá fazendo? - perguntei confusa.

Enquanto corria, percebi que meu pai estava logo atrás de mim, sua boca aberta pingava sangue. Thomas conversava com alguém, fui para o terraço também. Na casa vizinha, havia um homem por volta dos 30 anos, seus cabelos de um negro intenso estavam bagunçados, tinha a pele morena e olhos castanhos, sem falar da barba.

- Vem, tia! - chamou Thomas.

Desviei os olhos do homem e vi que Tom pulava o murro e passava para a casa daquele homem estranho.

- O que você tá fazendo? - perguntei novamente.

- Se salvando. - Respondeu o homem, sua voz era rouca. - Vamos, moça, senão,  seu Raul pega você. - Disse, apontando para algo atrás de mim.

Não tive escolha, meu pai estava perto, então pulei o murro com a ajuda do homem, mas meu pai agarrou meu pé. Gritei. Chutei meu pai e ele caiu, o homem me puxou e eu caí sobre ele. Seu rosto a pouco centímetros do meu.

- Eu sou o Pedro, ruiva.

                               "Matar ou morrer. Não há escolha."

                                    - Jogos Vorazes, Suzanne Collins









Despertar dos MortosWhere stories live. Discover now