Match

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Marina chegou ao local combinado, um barzinho descolado, na hora marcada. Olhou ao redor, ainda havia muitas mesas vazias, mas o movimento estava bom. Prestou atenção ao ambiente e às pessoas ali. Queria avistá-lo antes que ele pudesse vê-la.

Se ele realmente fosse como mostra seu perfil, seria fácil notá-lo. Cabelos escuros, músculos definidos e olhos claros, meio esverdeados. Bonito. Talvez não fosse tão bonito ao vivo, mas hoje ela estava ali, pagando para ver.

Bruno era o nome dele. Ele foi o primeiro a curtir, ela também se interessou e... match. Interesse mútuo. Os dois tinham cachorros, amavam livros e séries, arriscavam-se na cozinha de vez em quando e eram bonitos. Pelo menos, pareciam ser.

Marina não se achava nenhuma deusa, mas, sim, era bonita. Seu perfil, pelo menos, fazia sucesso. Escolheu para ele uma foto de seu melhor ângulo. Aquele que não tinha como dar errado. Juntou um carão, um filtro bacana e uma pose que passava um ar de descontração e segurança. Uma descrição interessante, que a retratava em seus melhores dias. Algumas restrições, para afastar pretendentes nada a ver. Ali estava a versão de Marina que ela queria mostrar a seus possíveis crushes virtuais. A versão dela mesma que não era fácil de reconhecer na frente do espelho.

Ela se iniciou nos aplicativos de paquera após uma desilusão amorosa. Depois de romper o noivado de três anos, decidiu ficar sozinha. Antes só que mal acompanhada. E estava muito bem, obrigada. A própria companhia a agradava.

Foi assim por cerca de um ano. Uma amiga lhe apresentou um app do momento. Ela relutou, no início. Não precisava daquilo. Estava solteira, mas não carente nem desesperada. A amiga disse que era puro preconceito dela. Era divertido. Convenceu-a a experimentar, só por diversão.

Marina testou o tal aplicativo. E gostou. Tantos caras interessados. Cada curtida era um afago na sua autoestima. Cada match, uma certeza de seu poder de sedução.

Logo ela estava testando outros aplicativos semelhantes. Uma versão para nerds – ela sempre foi meio nerd –, as que se baseavam na localização geográfica, outra que montava seu perfil mais com aquilo que ela detestava que com aquilo de que gostava.

O negócio foi crescendo de um jeito que Marina já tinha até um aplicativo que localizava afinidades por meio de combinações astrológicas. Se os mapas combinassem, bingo! Marina tem sol em peixes, ascendente em capricórnio e lua em escorpião. Não que ela soubesse bem o que isso queria dizer. Mas o aplicativo sabia! Já lhe apresentava a possível compatibilidade com os pretendentes com base no cruzamento de seus mapas: signo, ascendente, lua, vênus, mercúrio, marte e por aí vai.

Bruno era muito compatível. Segundo a astrologia, eram como almas gêmeas destinadas a se esbarrar e se amar por aí. O app ajudava a dar o empurrão que faltava para caírem nos braços um do outro.

Eles já haviam demonstrado interesse recíproco em três dos aplicativos que usavam. A conversa virtual era bacana. A abordagem de Bruno foi leve, mas segura. Logo os outros caras com quem ela conversava por meio dos aplicativos se tornaram desinteressantes. Ela só tinha vontade de conversar com Bruno. Sobre tudo. E também sobre nada. Eles sempre tinham assunto. Não era como se ele apenas quisesse levá-la para a cama, como muitos caras propuseram. Era claro que ele queria, e ela achava bom que quisesse, mas a "relação", certamente, tinha mais coisa.

Já conversavam há dois meses. Foi ele quem sugeriu se conhecerem pessoalmente. Marina relutou, a princípio. Estaria dando um passo muito grande? A relação virtual era tão boa. Para que correr o risco de estragar tudo? Mas, se eles eram possíveis almas gêmeas, já estava passando da hora de se verem sem filtros artificiais.

Marina nunca tinha chegado às vias de fato com um crush virtual. Na verdade, nunca tinha nem encontrado algum deles ao vivo. Quando a conversa engrenava a ponto de um encontro passar a ser uma possibilidade real, ela caía fora. Inventava uma viagem à China, à Austrália, ao Japão, à lua. Bloqueava o cara em todas as suas redes e sumia de sua vida.

Não sabia explicar o porquê desse comportamento. Medo, insegurança, desconfiança. Um pouco de tudo. O mundo virtual era mais fácil e mais gostoso. De alguma forma, fazia bem ao seu ego. Sentia-se extremamente sedutora quando encarnava a Marina por trás de uma tela. A Marina da realidade, que vai ao trabalho, às aulas da pós-graduação, à academia, ao banco e à padaria não parecia igualmente incrível e sedutora.

Bruno era o primeiro encontro real que ela teria com alguém que conhecera via aplicativo. Seu nervosismo era quase impossível de mensurar, pois não devia haver escala capaz de representar aquilo. Pensou doze vezes em desistir do encontro naquele dia. Por duas vezes, fez menção de avisar a Bruno que estava doente. Um resfriado forte, uma dor de garganta, caxumba ou até malária. Seu repertório de desculpas era imenso.

Por alguma razão que ela desconhece, arrumou-se e foi ao encontro da sua suposta alma gêmea astral. Pôs um vestido bonito, nem sensual demais e nem de menos. Não arrumado a ponto de o cara se achar, mas o suficiente para ele ficar boquiaberto por alguns segundos. Deixou o cabelo meio preso e pôs uma maquiagem leve, dando um ar de que nem tivera tempo de se arrumar, mas estava naturalmente linda.

Precisaria de autoconfiança naquela noite. Estar cara a cara com alguém que ela já conhecia, ou pelo menos pensava conhecer, era diferente de simplesmente esbarrar com um rapaz na balada, engrenar um assunto qualquer e ver o que rola. Eles já tinham uma espécie de conexão, então sua expectativa era enorme. Logo, o medo de estragar tudo era proporcional a isso.

Pediu uma bebida no balcão, enquanto esperava por Bruno. Algo forte, para lhe dar coragem. Um copo na mão lhe serviria também de amuleto para o caso de não saber o que dizer ou fazer quando o encontrasse.

O movimento começava a aumentar. Ela chegou um pouco mais cedo que o horário combinado. Queria vê-lo antes que ele a notasse. Estava em um canto quando o viu entrar. Estremeceu.

Só podia ser ele. Era exatamente como mostrava seu perfil. E era alto, mais que ela imaginava que fosse. Ele entrou olhando por todos os lados, procurando-a. Marina deu um gole forte na bebida. Ele se aproximava do local onde ela estava, embora não a tivesse notado ainda. Logo estaria à sua frente. Seu coração disparou.

Bruno, o cara quase perfeito da internet, estava ali, em carne, osso, músculos e muita testosterona à sua frente. Ela se dispôs a ir encontrá-lo, por que não se sentia pronta para isso? De repente, foi tomada por uma onda de pânico. Entornou o resto da bebida de uma vez e jogou o copo no balcão.

Virou-se de forma rápida e andou em direção à porta. Olhou uma vez para trás e teve a impressão de que ele a viu. Apressou o passo e logo estava na rua, discando para a amiga que a aguardava ali perto. Combinaram um código, para o caso de precisar que a amiga a resgatasse. Mal falou o código secreto e estava entrando no carro da amiga.

Recuperou o fôlego aos poucos. Sentia-se mal. Péssima. Idiota. Toda a confiança do início da noite esvaiu-se. Não teve coragem de encarar Bruno. O pior era a certeza que tinha de que ele a havia visto.

Devia estar muito presa ao mundo virtual. Sentia-se tão confortável por trás das telas que parecia incapaz de encarar a realidade. O virtual era mais fácil, mais cômodo, mais perfeito. A realidade era uma selva a desbravar. Não estava pronta para o Bruno real. Nem para qualquer um dos caras dos aplicativos.

Quando a amiga a deixou em casa, ela estava decidida. Pensou bastante durante o trajeto. Sem pensar mais, excluiu todos os seus perfis das redes sociais. Todos os aplicativos de paquera. Daria um tempo de tudo aquilo. Era bom se sentir sedutora e confiante. Mas ela teria de aprender a dosar isso no virtual e no real. Até lá, Marina estaria off.

Quanto a Bruno, ela ainda tinha um contato dele. Falaram-se no WhatsApp uma vez. Esse ela não excluiu nem bloqueou. Se o cara fosse realmente sua alma gêmea, o destino (e sim, um último recurso tecnológico) haveria de uni-los. Em relação ao encontro fracassado, ela inventaria uma desculpa caso ele um dia perguntasse. Por ora, tudo o que ela queria era esquecer essa noite. Deletá-la para sempre, sem deixar rastros.

OblíquosWhere stories live. Discover now