O alarme do celular toca às seis e meia da manhã. Guilherme demora a ouvi-lo, estava em sono profundo. Empurra o aparelho de lado. Mais dez minutinhos. Depois, mais dez. E outros dez. Quando finalmente abre os olhos, no susto, são mais de sete horas.
Levanta praguejando. Tem uma reunião importante às oito, e ainda tem o trânsito. Corre para o chuveiro, veste a calça e a camisa, calça os sapatos, pega a gravata e o paletó. Resolve pedir um Uber para ganhar tempo. Prepara um café na máquina e o toma muito rapidamente, sem nem o apreciar. Põe duas fatias de queijo em um pão e o engole enquanto desce para esperar o motorista.
O trânsito está pior que o habitual. Pelo menos, não perderá tempo tentando estacionar. Checa o celular. São 7:49, ainda lhe restam onze minutos. Pede ao motorista para ir um pouco mais rápido, embora o trânsito esteja travado. Resolve descer do carro a três quadras do escritório e ganhar tempo a pé.
Felizmente, consegue chegar a tempo. Os caras que iria encontrar para fechar um negócio, porém, não conseguiram. O voo em que estavam atrasou e eles tiveram de transferir a reunião para a tarde. Guilherme xinga mentalmente. Seu dia começou bem!
Já que não teria mais reunião de manhã, decidiu ir até o café da esquina e comer algo minimamente decente. Pediu alguns pãezinhos, ovos e um café duplo, para compensar o de mais cedo, bebido às pressas. Finalmente podia saborear um bom café.
Se havia algo que ele apreciava, era café. Claro que apreciava várias outras coisas, mas o café era especial. Guilherme adora a sensação que ele lhe provoca. A energia, a disposição. Ele precisa ficar ligado e o café o ajuda nisso.
Ele aumentou as doses de cafeína assim que começou a usar os benzo. Há cerca de um ano, teve uma crise de ansiedade, com um episódio de pânico. Um conflito no trabalho foi o gatilho para a crise.
O escritório é um ambiente carregado, tenso, suas metas são muito altas e os prazos, muito curtos. Excesso de cobranças, colegas competitivos, clientes difíceis e um chefe filho da puta. Pelo menos, o era assim para Guilherme. Sempre puxando seu tapete, sempre desmerecendo seu trabalho. Guilherme era um dos melhores da empresa e isso parecia assustar o chefe.
O conflito velado, certo dia, resultou em uma pesada discussão. Os colegas apartaram e o chefe transferiu-o de setor, apenas porque não conseguiu colocá-lo na rua (Guilherme, de fato, era bom). Guilherme foi para casa ao fim do dia sentindo a boca seca, o coração acelerado, tremores, dormência nas mãos e suor frio. A respiração era difícil e dolorida. O peito doía, a cabeça latejava. Ele pensou estar enfartando. Naquela noite, teve muito medo de morrer.
Ligou para o irmão, que o levou ao médico. Guilherme não estava enfartando. Estava tendo um episódio de pânico. O médico lhe receitou alguns ansiolíticos e lhe recomendou ficar afastado do trabalho por duas semanas, inicialmente. Guilherme protestou. Não poderia ficar tanto tempo afastado. Não daria essa vitória ao ex-chefe filho da puta.
Foi para a casa do irmão naquela noite. Comprou as cartelas dos remédios e tomou meio comprimido para dormir. Pela primeira vez em muito tempo, ele dormiu tranquilo. No dia seguinte – sábado pela manhã – ele se sentiu melhor. Aquela caixinha deveria se chamar "pílulas da paz", "sono de criança em drágeas" ou, ainda, "foda-se o chefe filho da puta".
Guilherme passou bem o fim de semana. Conseguiu descansar, se divertir e até esquecer momentaneamente os problemas no trabalho. Decidiu ignorar a recomendação médica de ficar afastado. Ele estava estressado, mas já se sentia muito melhor. Afastar-se naquele momento seria como dar um prêmio ao ex-chefe. E isso ele não faria mesmo!
Na segunda-feira, ele foi apresentado no novo setor. Novos colegas, novos desafios, novas metas e, principalmente, novo chefe. Aliás, nova chefe, bem diferente do ex-chefe escroto. Tatiana, a chefe nova, era calma, tinha a voz doce e sabia lidar com a equipe. Ela o recebeu bem. Por mais que o chefe anterior possa ter lhe desabonado na empresa, Guilherme tinha seu desempenho reconhecido. Tatiana pareceu gostar de tê-lo na equipe.
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Oblíquos
Short StoryLivro de contos com temáticas focadas em questões bem atuais: conexões, redes sociais, tecnologias, solidão. Os personagens dos contos revelam suas angústias e saídas para se adaptarem (ou não) a um mundo em que tudo muda rapidamente, em que mostrar...