I. CORVO

213 32 3
                                    

SACRAMENTO, CALIFÓRNIA.

Quarta-feira, 4 de março de 2015.

Carrie deu um longo suspiro e olhou na direção do marido, sentado bem ao seu lado, a sala da Doutora Williams era apertada, com livros e quadros por cada centímetro do cômodo, as poltronas baixas e acolchoadas demais faziam seus joelhos ficarem na altura do umbigo caso desejasse cruzar as pernas: ela estava desconfortável e era difícil se desfazer daquele incômodo que sentia toda vez que estava ali.

Ela ainda estava procurando as palavras para responder a última pergunta.

— Isso te incomoda, Carrie? O bebê? — insistiu Robert.

— Não o bebê... Mas...

— Você pode falar o que pensa, Carrie. Estamos aqui para debater isso. — ponderou a psicóloga.

Será que podia mesmo? Ela queria, mas guardou para si o que pensava. Queria dizer que preferia que Cheryl Scott tivesse abortado aquela criança que a assombrava todas as noites, fazendo seus sonhos se tornarem pesadelos com o grito ensurdecedor de um bebê branco. Era o que ela sentia, afinal, mas não podia falar. Não dessa forma. A ideia de fazer terapia em casal havia partido dela e isso precisava dar certo, não podia tornar isso mais um inferno na vida deles.

— Eu os flagrei, Doutora. — ela encarou a médica como se implorasse complacência. — Na nossa cama. Ela tem o que? Vinte e dois... vinte e três anos?

— Você vai começar com isso de novo? — protestou Robert. — Ela já entendeu. Todos já entenderam. Quantas vezes você precisa repetir isso? Já faz dois anos!

A voz de Robert tinha se alterado consideravelmente, ele sempre mantinha um tom sóbrio, mas quando era pressionado e estava errado era assim que ele tentava resolver: no grito. Carrie estava mentalmente se perguntando se todo aquele esforço valeria de algo, nunca ouvira um perdão vindo do marido, não um sincero e ressentido. Era sempre uma desculpa acompanhada de explicações, mas havia mesmo uma justificativa para uma traição deste tipo? Naquele momento a cabeça de Carrie só conseguia pensar em como o bebê que a amante do marido levara até a sua casa há duas semanas mudaria suas vidas completamente. Conseguia ver o sorriso estampado no rosto da sogra e a alegria com que receberia tal notícia, seu sogro daria seu nome àquela criança e Jullie seria esquecida.

— Carrie? Carrie? — a Dra. Williams estalou os dedos. — Carrie, está tudo bem? Quer continuar?

Carrie ergueu os olhos para a pergunta que não tinha ouvido e acenou positivamente a cabeça, mas ela não estava ali, não totalmente. Robert continuou com a lengalenga, mas ela o interrompeu:

— Há um mês zombaram da Jullie na escola por causa do cabelo dela. — seus olhos estavam fixados nos olhos de Robert, que ainda estava com a boca entreaberta, ás vezes ela tinha a impressão que seria engolida por aquele par de olhos cinzentos. — Sua mãe comprou uma boneca Barbie para ela...

— O que isso tem a ver? — ele franziu a testa e buscou apoio na Dra. Williams, mas esta o repreendeu.

— Continue, Carrie.

— Uma Barbie; branca; de cabelos lisos. — ela esperou uma reação, mas ainda havia confusão no rosto do marido. — Sua mãe perguntou à ela se ela queria ser como a Bárbie? Você consegue ter a noção do quão cruel é isso, Rob?

— O que você quer que eu faça?

— Seus pais são racistas.

— E o que você quer que eu faça? Eu não sou os meus pais!

A AlcateiaOnde histórias criam vida. Descubra agora