Por muito tempo me senti sozinho na multidão que andava pelo meu castelo.
Eu era o único a ordenar dentro daquele lugar, fazia muito tempo. A sensação familiar das pessoas já havia se exaurido do meu íntimo há tempo e isso me consumia as vezes.
Muitas noites passei a dormir alcoolizado, fazendo com que minha cabeça não parasse sequer para pensar no quão minha vida estava se tornando miseravelmente solitária. O meu olhar com carranca já havia amadurecido em sintonia com meu corpo, já não conseguiam me ver sorrir um segundo sequer havia anos.
O dia estava mais tranquilo do que o normal, ninguém havia falado comigo sobre pequenos afazeres do castelo- coisa que me deixava particularmente ainda mais raivoso- que se tratavam de coisas tediosas e detalhes bobos que com a minha grande falta de interesse, passariam livremente despercebidos se ninguém os comentasse.
Sentei em uma poltrona marfim próxima a janela e dediquei alguns minutos a ler um livro sobre magia antiga. Encontrei esse livro há alguns dias no antigo quarto dos meus pais, que por muito tempo deixei intocado depois da sua partida, e resolvi lê-lo.
Os tive por pouco tempo na minha vida, mas esse tempo, por menor que seja, ainda faz machucar a perda deles e da minha irmã mesmo depois de tanto tempo. Perder minha família me fez sentir uma dor que nada até hoje ousou se comparar.
Um barulho de jarro quebrando me vez mover os olhos para fora da janela. Jess, o copeiro e faz tudo do castelo, estava brigando com uma jovem lá embaixo. Ela parecia bem assustada e medrosa. Uma pontada de curiosidade me tomou com aquela cena, resolvi guardar o livro e ver pessoalmente aquela situação.
Ao me aproximar, ouvi Jess esbravejar com a moça por ela ter quebrado um jarro enorme do jardim. Olhei atentamente para ela, e percebi que seus olhos cor de mel e medo estavam verdadeiramente assombrados.
Quando Jess levantou o braço para tentar machucá-la novamente, o contive:
- Pare! - soei sério.
Ele se assustou e afastou-se dela virando para mim.
- Perdão senhor, eu só estava corrigindo uma atitude da minha serva. Ela não cometerá outro erro. - se desculpou ajoelhando-se.
A moça parecia muito assustada. Sua mão direita estava com um corte profundo, imagino que por causa dos vasos que quebrou agora a pouco. Seus olhos tristes derramavam lagrimas solitárias e mesmo sujos de sangue, ela tentava afastar seu cabelo longo e grosso com suas mãos sujas. Partes do seu cabelo mancharam-se de sangue rubro e eu a investiguei com um olhar gelado, mas por dentro algo me estimula a analisa-la com um olhar neutro.
- Entre, você precisa parar todo esse sangue. - disse de modo sério olhando-a nos olhos.
Ela pareceu surpresa e me olhou profundamente com dúvida, uma ruga grossa se formou na sua testa e isto a denunciava mais ainda.
- Não mordo, entre logo antes que eu volte atrás com a minha bondade. - ofereci novamente perdendo a paciência.
- Sim, Senhor. - sua voz aguda e fraca saiu como uma súplica. A ignorei e abri espaço para ela caminhar na frente até a sala.
- Limpe tudo Jess. - ordenei e a acompanhei para dentro.
Ele acenou com a cabeça e se ajoelhou para começar o trabalho.
Ela havia pegado a barra do seu vestido para tentar conter o sangramento e isso parecia não surtir mais efeito.
Me aproximei dela e isso fez com que seu corpo tremesse.
- Fique calma, por favor. - disse baixinho. Não gostaria de assustá-la mais ainda.
- Desculpe. - sussurrou me olhando com uma face tímida.
- Não se desculpe. - falei ao pegar a sua mão e examinar a situação na qual ela se encontrava.
O corte estava sujo e o sangue já havia começado a secar ao redor.
A instruí a sentar e me esperar e fui até meu quarto onde guardo algumas poções. Peguei tudo que precisava e passei no quarto dos meus pais. O guarda roupa da minha mãe nunca havia sido mexido, mas abri o seu guarda roupa e peguei um vestido que imaginei que caberia na jovem que me aguardava lá embaixo.
Desci as escadas e ao chegar no fim da escada a jovem me esperava ansiosa e logo levantou o olhar para me ver.
O seu sorriso, por menor que brotou no seu lábio, fez meu coração que há muito tempo não havia sentido isso, por um segundo se aquecer.
- Beba isto e limpe-se, esperarei aqui. - entreguei tudo em suas mãos e ela acenou com a cabeça timidamente.
Sumiu pelo corredor e eu me concentrei em espera-la.
Depois de aguardar o que para mim se passou uma eternidade, ouvi passos novamente pelo corredor e involuntariamente me levantei para recebe-la.
A garota, agora com aparência mais digna se aproximou de mim com um caminhar um pouco vacilante, acredito que pela minha presença. A seu corpo coube perfeitamente no vestido da minha mãe e particularmente acho que realçou seu cabelo dourado. Sua mão pálida não sangrava mais, mas era apertado com força no vestido de forma vergonhosa.
A olhei profundamente, e ela retribuiu. Retribuiu de forma a um arrepio tomar minha espinha e eu cheguei a uma conclusão ali, que talvez meus futuros dias não fossem totalmente tediosos.
- Qual o seu nome? - tentei soar doce, mas não tinha prática.
- Ágata. - um sorriso sútil brotou em sua face.
- Bonito nome. - elogiei.
E um único pensamento me passou naquela hora:
"Precisamos tomar conta dos nossos corações, minha cara."
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Contos de Guardiões Elementares
AventuraO homem que conhecemos não era o que virou. Dentro de um reino solitário e hipócrita, Lucca se vê completamente apaixonado por alguém que vive em seu palácio. Mas como lidar com o amor quando ele é bruto e ingênuo?