Pressentimentos

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Minha perna esquerda tremia enquanto pensava arduamente assistindo minha mãe cortar uma abóbora ao meio.

— Abóboras são ótimas nessa época do ano. Você sabia que ela é uma fruta, mas as pessoas insistem em chamá-la de vegetal ou legume. Até a chamam de verdura pode imaginar? — Tentei puxar assunto.

— O que você quer, Jonathan? — Parando o que estava fazendo, ela me lança um olhar de reprovação com um misto de interesse.

— Eu... Ãhn... Eu fui convidado pra ir a uma... — Hesitei em continuar e dizer a palavra, pois eu tinha uma pequena ideia de como seria sua reação.

— O que está tentando me dizer, filho? — Sua mão que antes estava sobre a faca, agora estava na cintura parecendo brava, meu coração acelerou.

— Josh me convidou para ir a uma festa na casa dele. — Falei já esperando o " Não Jonathan, você não vai sabe o porquê? Porque você não me ajuda a limpar essa casa, nem lavar uma louça você é capaz." — É o aniversário dele e significaria muito para ele eu estar lá, o cara é meu amigo.

— E por acaso terá álcool, drogas?

— Não, mãe — menti, pois provavelmente teria tudo isso, afinal era uma festa de pessoas jovens, e pessoas jovens bebem, quase impossível não ter.

— Tudo bem se tiver — Ok! Certamente não esperava por essa — Só não quero que chegue tarde ou apareça machucado.

— Mãe eu já tenho 18 anos, não 15. E aliás não vou demorar muito. — Mas iria demorar.

— Eu sei que você já é crescido e me dói te ver sair debaixo das minhas asas, mas você devia saber mais que ninguém que eu tenho certos... Pressentimentos, é o que me torna, como as pessoas costumam dizer?

— Ah Deus e o mundo sabe que a senhora é meio vidente mãe. — Disse levantando da poltrona e indo até a mesa assaltar o vidro de balas.

— Isso! Lembra de quando eu pressenti aquele acidente de bicicleta que resultou no seu joelho ralado? — Sim, isso foi verdade.

— Não é porque aconteceu uma vez que vai continuar acontecendo dona Laura, aliás a senhora já errou na vez que disse que eu estava indo mal na escola e que eu iria reprovar.

— Mas é que quando você disse sobre a tal festa... Esse sentido aguçou, e senti meu coração acelerar como se alguma coisa estivesse prestes a acontecer. — Ela sentou e passou a mão no peito fazendo jus a sua frase. — Mas não vou fazer você ficar em casa por conta dos meus pressentimentos que podem estar errados, não vou fazer você perder uma noite de diversão. — Suas palavras me fizeram pensar duas vezes, como ela solta uma bomba dessas e espera que eu saia de  casa? Mas Josh ficaria muito feliz se eu estivesse lá, e muito puto se eu nem aparecesse e desejasse um feliz aniversário.

— Mãe, a senhora tem de parar de ser preocupada, eu vou voltar inteiro. — Sentei no seu colo e beijei sua testa que estava suada, que acreditei ser por conta da ansiedade.

— Espero, porque raramente erro, mas isso serve para você se precaver e não fazer nenhuma merda, agora vai se arrumar. — Ela me tirou de seu colo e voltou a cortar a abóbora que estava pingando líquido laranja no piso branco e gasto. — E lembre-se... Nada de voltar tarde! — Ela apontou a faca em minha direção como um serial killer dos anos 90.

Me deitei no sofá e ignorei o pedido de ir me aprontar que minha mãe me dera. Liguei a TV como alguém que acaba de chegar de um dia cansativo de trabalho... Mas no meu caso, o trabalho era inexistente, e o cansaço também.

Eu sinceramente não gostava de assistir jornal, mas como era a única coisa que tínhamos, então me contentava, e minha professora de português sempre me aconselhava à assistir, pois segundo ela, auxiliava na produção de redações. Discordo, acho que é só uma forma de  colocar na nossa cabeça o quão fodido o mundo está.

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