II - Qual é a sua?

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Visconde, de tão acostumado com as malcriações dela, limitou-se a trocar o aparelho de uma para outra mão. Emília percebeu:

− O que estava lendo?

− Um texto interessantíssimo sobre a diferença entre solitude e solidão.

Emília riu:

− É bem a sua cara desmazelada mesmo ler instruções de como ficar sozinho!

Visconde, contudo, não se alterou com mais uma provocação:

− Desta vez, atrevo-me a concordar com a Senhora Marquesa.

− É?

− Aposto que não sabe o que é a solitude!

− E por que me interessaria? Se o nome já é tão feio, a dita-cuja deve ser pior ainda.

− Engana-se!

Emília arrumou-se toda, como se estivesse no gol pronta para receber uma bicuda.

− Manda que eu quero só ver!

− Resumidamente, solitude é a alegria de estar sozinho.

A boneca torceu a cara, mas ele continuou:

− Veja bem, enquanto a solidão causa dor e sofrimento, a solitude é a oportunidade, o tempo que uma pessoa se dá para orar, meditar...

− Chega, chega! Já captei! Essa tal de solitude pode até ser boa! Mas não serve para mim!

− Porque a senhora é espampanante!

− Não sou, não. Essa coisa aí é o seu nariz!

− Vamos ver, então – disse Visconde, escondendo um sorriso matreiro. Diga-me qual é o seu momento de solitude.

Emília abriu a boca, mas, pela primeira vez em muito tempo, nenhuma palavra saiu de sua torneirinha de asneiras.

− Sei que consegue – incentivou docemente. Discorra!

Depois de meditar com seus botões, ela soltou:

− Ler, por exemplo, é o seu momento de solitude!

− Congratulações. A senhora assimilou o conceito!

− Comigo é na batata! De tonta, eu não tenho nada, nadica de nada, mas fique o senhor sabendo que eu gosto mesmo é das vezes a Dona Benta abre um livrão e explica tudo o que está escrito tintim por tintim. Com todo mundo ao redor. Aí eu posso contestar!

Visconde pensou que era um modo válido, porém muito cômodo de aprender sobre o mundo, e que, no fundo, não combinava muito com o jeito espevitado dela. Mas, decidiu guardar essa observação só para si. Apenas sorriu gentilmente, e declarou:

− Mas, não pense que deixei de reparar. A senhora ainda não me disse qual o seu momento de solitude...

− Se quiser, eu digo. Mas agora não! Ponto final.

A BONECA DA EMÍLIAOnde histórias criam vida. Descubra agora