Minha mãe, por algum motivo, resolveu pôr em prática um tipo de teste de alcance de voz esta manhã. Acredito que essa seja a única explicação coerente para a gritaria toda que eu estou ouvindo a essa hora da manhã. Ela com certeza bateria algum record desse jeito.
– OLHA A HORA, ANTONNIETA! TU VAI SE ATRASAR, GURIA!
O que ela quer dizer com "se atrasar"? É cedo demais ainda e aqui está tão confortável. O que tem a hora, afinal? E me atrasar pra quê... AI MEU DEUS!!
Levanto da cama em um salto e vou correndo para o banheiro. Puts, hoje é o meu primeiro dia de aula. Como pude esquecer? Nem programei o despertador noite passada, ô cabecinha que não funciona. Saio voando com a escova ainda entre os dentes para procurar algo para vestir. Com procurar, quero dizer pegar a primeira roupa que encontrar e entrar nela.
Era só o que faltava chegar atrasada logo no primeiro dia, ainda mais em uma escola nova. Não gosto que todos fiquem me olhando entrar na sala como se fosse uma maluca e "todos", inclui os professores, que muitas vezes te olham com uma cara de você tem certeza de que quer interromper a minha aula?
Sobre a escola, nova não é bem o termo correto a ser usado, levando em consideração que já estudei lá quatro anos atrás. Mas de qualquer forma, não é o mesmo colégio do ano passado, então tudo bem eu chamar de "novo".
Eu estou ansiosa para colocar meus pés lá de novo. Passei grande parte da minha infância naquele colégio e gostava muito dele, estava morrendo de saudades. Sem falar que meus melhores amigos estudam lá desde o primeiro ano do fundamental. Também vou poder rever meus antigos colegas, pelo menos os que não saíram.
– VAI DEMORAR MUITO? TENHO QUASE CERTEZA DE QUE O COLÉGIO NÃO VAI ESPERAR TUA VONTADE DE SAIR DE CASA PRA TOCAR O SINAL!
– Calma, mãe! Já tô descendo!
Calço meus tênis e desço pulando os degraus de dois em dois, quase dou com a cara no chão no último, mas tudo certo.
– Vai dar tempo de tomar café da manhã? – pergunto para minha mãe.
– Bah, filha. Que pergunta estúpida. Não viu o relógio ainda? Mas vai comendo essa torrada no caminho... Que já deve estar gelada por causa da tua demora, porém não posso fazer nada, já tá muito tarde para poder esquentar. E você está muito atrasada.
Pego a torrada e dou um beijo na minha mãe, antes de sair correndo a fim de não chegar atrasada, quer dizer, muito atrasada.
Chego no portão quase com falta de ar de tanto correr, vida de sedentária não é fácil. Me apoio no muro, enquanto tento puxar um pouco de ar.
Leio o cartaz de boas vindas que eles colocam no portão todos os anos, nele está escrito: "Sejam bem-vindos à E.E.E.B. Carolina Maria de Jesus. Tenham todos um ótimo ano!". Mal posso acreditar que voltei pra cá, estou tão feliz! Saí do Carolina, mas o Carolina não saiu de mim. Eu com certeza me encaixo melhor aqui, senti tanta falta.
– Ei, garota, vai ficar parada aí? Eu não sei se você percebeu, mas o sinal já bateu. E não faz pouco tempo. – ouço alguém falar atrás de mim e me viro para encará-lo.
– Luíz! Quanto tempo! – Luíz era o porteiro/faz-tudo do colégio desde que eu comecei a estudar aqui.
– Ah, meu Deus! Tonni, você voltou? Que maravilha! – falou me abraçando, tão empolgado quanto eu – Como você cresceu! Dá última vez que te vi, você era uma tampinha – percebeu a careta que eu fiz – Tá bom, tá bom, deixa isso pra depois, agora vá de uma vez, ok? Você já está bem atrasada.
– Puts, verdade. Obrigada!! É bom te ver novamente.
De novo saio correndo, só que sou obrigada a voltar, porque não sei onde fica a sala do primeiro ano. Ele provavelmente percebeu que era esse o motivo, pois começou a rir de mim e respondeu:
– Última sala do primeiro pavilhão.
– Obrigada, mais uma vez – respondi envergonhada.
Agora já desisti de correr, mas dou passos largos até chegar a sala. Com o coração batendo forte em nervosismo, bato na porta antes de abri-la.
– Posso entrar? – pergunto para, seja lá qual for, o professor que está lá dentro.
– Atrasadíssima e, ainda por cima, completamente descabelada. Eu não deveria deixá-la entrar assim, mas... – sorriu – Seja bem-vinda de volta, Antonnieta – ele fala meu nome em tom debochado porque sabe que eu não gosto muito dele.
Esse era o meu professor de português do quinto ano. O nome dele era Alexandre, mas todo mundo o chamava de sor Alex. Ele era um daqueles professores super amigos dos alunos e, além disso, sabia dar aulas incríveis e de fácil compreensão. Ele também adorava tirar sarro dos seus pupilos. Pelo visto, não mudou absolutamente nada.
– Acredito que você não deva ter ouvido, a não ser que tenha super audição. Mas alguns segundos antes de você chegar, estava comentando que agora estou dando aulas somente para o ensino médio, e minhas matérias são literatura e inglês.
– Desistiu do português?
– Estou dando um tempo. E das crianças também – fez uma careta e depois riu – Agora vá para o seu lugar de uma vez.
Finalmente me preocupo em ver meus colegas "novos". Olho para aqueles rostos tão conhecidos, dos quais senti tanta falta. Depois me preocupo em notar que alguns não estão mais e alguns deles nunca vi na vida. Bom, vou conhecê-los esse ano.
Obviamente, escolho sentar do lado da Pâmela, minha melhor amiga de longa data, que guardou um lugar para mim, como havíamos combinado.
– Eu nem tô acreditando, Tonni, sério. Até achei que fosse mentira, depois de quatro anos inteiros te enchendo para voltar e não tendo sucesso nenhum com meus pedidos, você finalmente está de volta! – ela me ama, pode falar.
Nós nos conhecemos no primeiro ano do fundamental, sentamos na mesma mesa redonda e começamos a conversar, não faço a mínima ideia sobre o quê, sei que perguntei se ela queria ser minha melhor amiga (sim, foi bem do nada) e ela só disse que sim. Só que nunca imaginei que essa amizade duraria tantos anos, e acho que nem ela. Mesmo estudando longe, nunca deixamos de nos falar ou nos encontrar. Nós não tínhamos medo de falar as coisas entre nós, porque tínhamos confiança uma na outra. Por maior que fosse a besteira que fizéssemos, sabíamos que a outra iria entender e apoiar, ou então jogar a verdade na cara, por mais dura que fosse, e mesmo assim nossa amizade continuaria sendo a mesma.
– Verdade isso aí, viu? Também nunca tive sucesso. E olha que eu implorei bem mais que você – agora foi a vez do meu melhor amigo, Yuri, falar – Tonni, você é péssima. Uma péssima amiga. Nos deixar abandonados e sozinhos por quatro anos neste lugar horrível, que tipo de amiga de verdade faz isso?
O Yuri também conheci no primeiro ano, ele era meio estranho desde pequeno e o sonho dele quando criança era ser cientista maluco. Não lembro muito bem como começamos a conversar, e muito menos como viramos amigos. Só sei que deu certo de alguma forma e somos até hoje.
– Olha, gente, eu sei que vocês me amam, – disse olhando para os dois – mas não precisa desse exagero todo, ok?
– Como você é convencida, guria.
– Sou mesmo, e daí? – mostrei a língua.
– Será que estou atrapalhando a conversa de vocês com minha aula? – o sor Alex nos olha, tentando fazer uma expressão irritada, mas dava para ver que se segurava para não rir – Ou será que as crianças gostariam de voltar ao jardim de infância?
Nos calamos, tentando prestar atenção na aula. Mas estávamos morrendo de vontade de rir, se começássemos a olhar uns para os outros, com certeza iríamos explodir de tanto dar risada, e não duvido que o sor começaria a rir junto.
É, esse era o começo de mais um ano, e não tenho dúvidas de que iria ser maravilhoso.
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Strawberries and mess
RomanceTonni sempre foi uma garota viciada em romances, sempre se imaginou em uma daquelas histórias de amor clichê, porém nunca havia se apaixonado por ninguém. Quando as aulas recomeçam, ela se vê tendo uma quedinha por seu novo colega de classe, mas não...