2. Tonni

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– Para de babar no menino, Tonni!

A exclamação da Pâmela fez eu me assustar e sair do meu estado de transe. Nem mesmo havia reparado que estava olhando para o garoto a tanto tempo. O Yuri começou a rir do que ela disse e pude notar uma garota na nossa frente me olhando estranho.

– Ótimo, Pam. Perfeito. Maravilhoso! Por que não fala mais alto? Por que não aproveita e grita de uma vez para a sala inteira escutar?

– Ah, eu não pensei que você fosse querer isso. PARA DE B... – tampo a boca dela antes que seja tarde demais. Oh, Deus! O que eu fiz para merecer isso, hein?

Olho para o outro lado da sala e noto o menino de quem estávamos falando olhando pra cá. Puts, espero que ele não tenha escutado nada.

– É, Tonni. Desse jeito o guri vai ficar desidratado – diz Yuri, sério – de tanto tu secar ele!

Os dois começaram a rir como se o que ele disse fosse a coisa mais engraçada do mundo. Dei um soco nele. Odeio meus amigos. Retiro o que eu disse de querer voltar pra cá, vou fazer minhas malas e ir embora. Tchau pra vocês.

Ih, ela ficou brava mesmo. Olha a cara dela, Yuri – disse a Pâmela, quase chorando de tanto rir. Que gente exagerada!

Ele tentou olhar meu rosto, mas eu empurrei ele.

– Odeio vocês. Os dois! Sério.

– Não odeia, não – Yuri diz sorrindo – A gente sabe que não. Ah, provavelmente tu vai querer saber, mas eu sei que não vai perguntar: ele é novo também, não estava aqui ano passado e nem ontem. Aparentemente não gosta de primeiros dias de aula. Não conhece ninguém aqui, já que está sozinho, no canto dele. E eu não faço a mínima ideia do nome dele.

– Ah, uau. Sabe que não ajudou nada, né? – eu disse, olhando pra ele.

– Sei. Não precisa agradecer – deu uma piscadela. Gente, que guri insuportável.

Revirei os olhos e voltei a observar o garoto do outro lado da sala. Ele estava mesmo sozinho e bem quieto no canto dele, aparentemente não prestando atenção em nada do que o professor falava. Parecia estar bem longe dali.

– Parece um anjinho – disse Yuri – Quer dizer, nunca vi um anjo, nem nada. Mas o teu crush parece aquelas representações onde os anjos sempre tem cachinhos loiros e olhos azuis.

– Pior, Tonni – disse minha péssima melhor amiga – Usa aquela cantada "você se machucou quando caiu do céu?"! Vai dar bem certinho.

O Yuri quase teve um ataque. Nem foi tão engraçado assim.

– Eu não acredito que sou obrigada a ouvir esse tipo de coisa! Vocês são muito idiotas!

– Mas serião, vá falar com ele de uma vez. Tenho certeza de que o menino não morde.

– Não se sabe, né? Não tem ninguém perto dele, vai que... – Yuri falou e deu de ombros.

Acho que o melhor a se fazer nessas horas é ignorar esses seres que se dizem seus amigos. Tentei prestar atenção na aula, já que estava disposta a fingir que não escutei o que nenhum dos dois estava dizendo.

– Como ontem foi o primeiro dia de aula, e nós não fizemos nada de produtivo, hoje vou pedir um trabalhinho pra vocês – disse o sor Alex – Quero que façam um texto – já dava para ouvir resmungos descontentes pela sala – Eu quero que vocês escrevam algo da vida de vocês, pode ser algum acontecimento, recente ou não, o importante é que seja sincero.

Obviamente houve protestos, todo mundo se juntou para reclamar da tarefa. Eu particularmente não gostava muito de escrever, pois não acreditava muito na minha capacidade de escritora, mas gostei bastante da ideia dele. Pelo menos não era aquele tema clichê de começo de ano, do tipo "como foram suas férias?".

– Ei, ei, ei. Calem a boca – disse ele, já ficando levemente irritado – Não vai valer nota, apenas participação. É mais para ver a maneira como escrevem e, também, conhecer vocês um pouco melhor.

– Gostei principalmente da parte que ele disse que não vai valer nota – Yuri comentou.

– Grande novidade, Yuri? – disse Pam, soando debochada.

– Mas é claro. Se não valer nota, não vale o esforço. Não irei fazer.

– Você poderia fazer, Yuri, por favorzinho – eu disse, minha intenção era ler antes de ele entregar para o professor. Ele sempre tinha histórias muito boas. E eu amava ler boas histórias. – Você escreve tão bem, se quer saber minha opinião. Seria um desperdício de dom deixar essa oportunidade passar.

– É mesmo, Tonnizinha? – perguntou sarcasticamente – Não quero.

– Essa doeu até em mim – disse o professor, nos assustando, pois não tínhamos percebido que ele estava tão perto. Ele notou nosso susto e começou a rir – Calma gente, não proibi vocês de conversarem, não precisam fazer essa cara. E Yuri, ouvi a Tonni dizer que você escreve bem. Gostaria de ler alguma história sua.

O meu querido amigo me olhou com uma cara de "viu só o que você fez?". Dei um sorriso debochado e virei para a frente, ignorando o olhar dele me fuzilando pelas costas.

– Sobre o que você vai escrever, Tonni? – Pam me perguntou.

– Acho que sobre a separação dos meus pais – dei de ombros.

Ele me olhou boquiaberta, o que me fez lembrar que eu ainda não havia contado esse detalhe para os meus amigos.

– Como assim separação, Tonni?

– Separação, ué. Divórcio, se preferir chamar assim. Eles não estão mais juntos.

– E você, por acaso, não pensou em nos contar? – perguntou Yuri, tão chocado, por eu não ter dito nada, quanto a Pam.

– Não sei. Acho que esqueci – eu não estava mentindo, não é como se eu não quisesse contar isso a eles – Isso estava pra acontecer a tanto tempo que eu meio que me acostumei com a ideia, então não tratei como se fosse uma novidade.

– Quanto tempo faz que eles não estão mais juntos? – quis saber Pam.

– Dois meses.

– E... Você está bem? – perguntou Yuri, preocupado.

– É claro que estou. Minha mãe parece bem mais feliz agora. Quer dizer, tirando a parte que ela está desesperadamente procurando por um emprego.

Reparei que o professor, acredito que possa chamar ele de intrometido, estava tentando ouvir nossa conversa. Ele percebeu que eu vi ele escutando a conversa dos outros e se aproximou um pouco envergonhado.

– Sou curioso por natureza – disse em tom de desculpa – E um pouco da culpa é de vocês, que falam alto demais – sorriu – Mas eu sou um pouco intrometido mesmo, se é o que está pensando.

– Não, não. Quem iria pensar isso do senhor? – disse Yuri, debochado – Nem passou pela minha cabeça te chamar de algo assim.

O sor Alex riu e foi conversar com outros alunos. Ele era assim, gostava de ir de mesa em mesa, puxando assunto, as vezes perguntando se alguém tinha alguma dúvida sobre a matéria ou se precisava de ajuda com os exercícios e, na maioria das vezes, sobre assuntos aleatórios ou qualquer coisa que ele estivesse a fim de perguntar. Era impossível não gostar dele. De fato, era meu professor favorito.

– Ah, voltando ao assunto... Você estava dizendo que sua mãe está procurando um emprego... – sussurrou Pam ao meu lado.

– Sim, ela tenta não demonstrar, mas está bem preocupada com as contas chegando. Antes da separação, ela ficava em casa cuidando de mim, enquanto meu pai trabalhava. Porém agora que não estão mais juntos, ela precisa arrumar um emprego para conseguir dinheiro.

– Espero que ela consiga alguma coisa logo – disse Pam.

Eu também.

Strawberries and messOnde histórias criam vida. Descubra agora