3. Natasha

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A violência com que as gotas de chuva batiam na janela, denunciava que hoje não era o dia ideal para passear, quem quer que tivesse planejado alguma coisa para hoje, certamente teria que deixar para outro dia. Mas não os que tinham que trabalhar, esses tinham que sair abaixo de chuva, estando ela forte o suficiente para atravessar alguém ou não, pois não podiam correr o risco de ficarem desempregados. Assim como eu.

Eu havia me arrumado, pegado meu guarda-chuva e já estava pronta para enfrentar a chuva e mais um dia maçante a procura de um trabalho, quando botei meus pés na rua. Nessa hora, percebi que meus planos haviam ido por água abaixo. Ou melhor, eu havia ido água "adentro". Não sei como não tinha percebido, mas a rua estava completamente alagada e, agora, eu estava encharcada até a altura dos joelhos. O engraçado é que ninguém nem pensou em me avisar que essa rua alagava quando comprei o aparentemente.

Subi as escadas irritada, além de ensopada. Já havia perdido totalmente a vontade de sair. Iria tomar um banho quente e procurar vagas pela internet mesmo, já havia me inscrito em alguns lugares, mas não havia sido chamada ainda.

O fato de ter parado de trabalhado quinze anos atrás colaborou com a minha desvantagem ao conseguir um emprego. Quando fiquei grávida, decidi parar de trabalhar por alguns anos, até minha filha ter crescido um pouco. Mas o tempo foi passando, e eu já estava tão acostumada a somente cuidar da casa e o meu marido, na época, estava se virando muito bem sozinho para pagar as contas. Então acabei deixando tudo nas mãos dele. Se eu soubesse que daria nisso, não teria tomado essa decisão.

Depois de horas e horas, na frente daquela tela, indo de site em site, cansei de ficar parada e decidi que seria bom dar uma pausa e enfrentar as pilhas de caixas da mudança. Apenas dois dias atrás, minha filha, meu ex-marido e eu, estávamos lutando para subir as escadas com caixas de roupas, livros e louças. Por sorte, conseguimos comprar um apartamento mobiliado, então não precisamos nos preocupar com móveis. Só de pensar em abrir todas elas e arrumar as coisas que estavam dentro em seus devidos lugares, já me senti cansada.

"Ok, Natasha. Vamos lá. Deixa de preguiça, essas coisas não vão se arrumar sozinhas", pensei e abri a primeira caixa de uma vez, antes que eu desistisse.

Essa caixa só tinha roupas, estavam todas dobradas, o que facilitava muito o trabalho na hora de guardá-las. Quando fomos arrumar as coisas para a mudança, minha intenção era somente atirar as roupas dentro da caixa de qualquer jeito, mas, graças a Deus, minha filha insistiu para guardar todas dobradas.

Passei boa parte da manhã indo da caixa para o guarda-roupa e vice-versa, consegui esvaziar quase todas as caixas. Agora haviam sobrado as roupas da minha filha, isso ela mesma podia arrumar, e os livros. A maioria dos que estavam em bom estado acabei vendendo e fiquei somente com os mais antigos. Minha filha não queria que eu vendesse, nem eu queria vender, para falar a verdade, mas o dinheiro que receberíamos por eles daria uma boa ajuda.

Meu celular começou a tocar, enquanto eu ainda estava tentando pensar em um bom lugar para colocar meus livros. Eu precisava trocar esse toque irritante.

– Sim? O que você quer me pedir hoje?

– Credo, mãe. Assim parece que eu só te ligo para pedir alguma coisa – disse, fingindo estar magoada.

– Mas não é verdade?

Que horror! A Pâmela e o Yuri podem almoçar com a gente hoje?

– Talvez – brinquei.

Isso é um sim?

– Isso é um talvez. Ah, mudaram o Guaíba de lugar e ele está aqui na frente de casa, então não se assustem quando chegarem.

Quê? – perguntou, confusa.

– Alagou aqui na frente de casa – por que essa criança nunca entende minhas piadas? – Avise a Pâmela e o Yuri.

Então, agora é um sim?

– Você por acaso ouviu...?

Obrigada, mãe!

Não me deixou nem terminar a frase. Espero que tenha escutado que eles vão ter que atravessar um rio quando chegarem.

Strawberries and messOnde histórias criam vida. Descubra agora