Like an old picture.

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"Confesso que hoje estou velho, disto não posso fugir. Confesso que cada um de meus erros fora toda e exclusivamente causado por mim, o que me atribuía toda a culpa possível. Não houveram ajudantes, ao menos não intencionais. E não houveram inimigos resultantes destes erros. Pois todos se foram. Disseram perdoar-me, outros mandaram-me para o quinto dos infernos, porém, todos partiram. Não dirigiram mais uma chamada a mim. Talvez eu fosse muito fechado para eles, pensei. Ou talvez não quisessem incomodar-me. Mas não desejo mentir para mim mesmo após todas as mentiras que contei para todos. Eles estão frustrados comigo, e não desejam olhar em meu rosto nunca mais. Posso chorar, espernear, gritar por seus nomes em palcos, mas nada aconteceria. Mesmo porque apesar de tudo, sou orgulhoso demais para isto. Sim, mesmo após tudo o que este sentimento bobo e estúpido me causara."

Ele fita a página escrita e larga a caneta na mesa de centro de sua sala. Pega a taça de vinho ao meio e toma um gole suave desta, tentando degustá-lo. Mas nem o melhor vinho da América poderia tirar o gosto amargo e ao mesmo tempo suave que guardava dentro de si. Conseguiu o que queria, afinal, ele pensa. Ficar sozinho consigo mesmo. Pensar sem vozes aturdidas perturbando seu juízo já não sano há muito tempo. Haviam tantos segredos. E ele estava disposto a anotar tudo ali.

Olhou para o retrato do falecido amigo Cole Ferguson, o homem mais sábio que já conhecera em sua opinião. Também conhecera muitos outros gênios. Mas não são os que mais lhes agrada lembrar.

Todos aqueles anos enterrando sua verdadeira essência e personalidade abaixo de um lençol de mentiras denso que o dava a percepção de parecer alguém forte, com auto-controle e nenhuma dependência química, física ou financeira. Aquele garoto que gostavam de tirar sarro, ele nunca o recuperou por conta própria. Quando percebera, já havia sido tomado por alguém que ele não desejava ser, e que não conseguia mudar. Poucos eram os momentos que aquele sorriso angelical se mostrava para os poucos que realmente tinham sua confiança, admiração e respeito.

Pegou a caneta novamente e pôs-se a tentar continuar a escrita no diário. Mas nada mais lhes vinha à mente. Ao menos nada que pudesse ser verbalizado e posto num papel inútil. Observou as paredes brancas e os inúmeros crucifixos de sua casa. O fogo na lareira. O silêncio que tomava conta da casa vazia. Bella estava viajando com os filhos no Canadá, e ele apreciava este momento de solidão sem sua matriarca. Bella havia sido como uma mãe para ele. O acolheu como uma cuidadora oficial.

A tarde estava chuvosa, e agora que a chuva cessara, lhes restava apenas a neblina. Levantou-se e trocou o disco de Frank Sinatra para Led Zeppelin. Ao escutar a faixa "D'yer Maker", permitiu-se de pôr o diário, a taça e todo o resto na mesa de centro e deitar-se na poltrona, deixando-se levar por todas aquelas memórias, em algum lugar onde poderia consertar todos os seus erros, ou ao menos descobrir o porquê da maioria.

Sentiu o corpo relaxar e sorriu, com os olhos fechados. Deixou a consciência desvanecer e levá-lo para onde quisesse. Ou apenas o deixar ali e tomar algum tempo de descanso. Adormeceu.



Lafayette, 1975.


"Oh, oh, oh, oh, oh, oh!

You don't have to go, oh

Oh, oh, oh, oh, oh, oh

You don't have to go, oh

Oh, oh, oh, oh, oh, oh

Baby, please

Don't go..."

Acordei do devaneio com a canção. Senti raios de sol no rosto e abri os olhos, os cobrindo com as mãos. Algo estava errado. Retirei as mãos das órbitas oculares e as observei. Pálidas, finas e dedos longos e brancos. Olhei ao meu redor. Não estava mais em minha casa em Malibu. Deveria estar sonhando ou tendo um devaneio. Belisquei-me e pus-me a observar novamente o local. Então algo muito estranho ocorreu. Percebi com um Déjà Vu que estava no pátio de minha antiga escola com esta canção em meu pequeno rádio portátil. Estava numa sombra debaixo de uma das árvores e os alunos da Jefferson passavam por ali e conversavam normalmente sem me notar, como sempre fora de costume. Corri em direção ao banheiro, onde poderia me olhar no espelho, porém lembrei do rádio e de como seria importante para mim mais tarde quando voltasse para casa ou se precisasse dele para fazê-lo, então voltei, o recolhi e rumei até o banheiro.

Timeless Whisper.Where stories live. Discover now