Banquete sinfônico.

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Eu me lembrei daquele dia que você elogiou meu sorriso.

Era o comecinho de uma manhã calma, com o cheirinho de tabaco que invadia nossos pulmões. 

Você saboreava toda quela danosidade, como uma criança que sorri para um dente recém caído. Dava quase para ver a  juventude em meio a fumaça.

Era bonita a cena - fazia meu sorriso viver novamente, meu coração se abrir em flor. Eu queria te beijar de forma lenta, saborear cada gosto seu, mapear teu corpo com meus próprios dedos.

E em meio aqueles sorrisos, os cigarros foram se apagando e deixados de lado, as bitucas adormeciam no cinzeiro de vidro. E enquanto nossa pressão voltava, a curiosidade de juntar nossas peles gritava em alto e bom som, ditando a caminho das mãos obedientes.

No começo foi apenas um carinho de pura ternura, com o intuito de sentir as pequenas faíscas que as peles produziam em contato. Um relar sedoso e delicado, conduzido pela ponta dos anelares, tranformando-se em maciez com o relevo de nossas digitais. Olho no olho, em uma profundidade oceânica, conectando nossas almas pertencentes, e os primeiros suspiros de satisfação jogavam-se no ar, soando timidamente eróticos, denunciando a vontade de continuar aquela trama lasciva.

E fechavamos os olhos, vendo as cores que aquelas sensações produziam, finalmente encostando um lábio no outro. As bocas se grudaram lentas e precisas, num toque aveludado e deliciosamente molhado; as línguas se enroscaram numa dança fluida e íntima, os lábios mordiscados e chupados. Pequenos beijos, mordidas e lambidas eram depositados do maxilar ao pescoço, fazendo uma trilha quente e prazerosa.

Você sabia do que eu gostava - comigo não era diferente - ao passo que cada gesto fosse sempre da maneira mais gloriosa possível. Era uma sinfonia afegante - os corpos soavam melódicos.

 Meu corpo, teu instrumento.

Teu corpo, minha partitura.

E tu me tocava, de uma forma prodigiosa, acalentando os ouvidos do meu coração. 

E assim como toda música é composta de som, também é de silêncio. No silêncio a gente se ouvia, se olhava em plena contemplação e tranbordava a admiração em sentir-se um no outro. Era nele que eu podia te ver nu e cru, num marejar de maravilhosidade que escorria de sua linha d'água.

E quando ja tinhamos um silêncio de dois compassos, começava-se a soar notas soltas de beijos tilintantes - seminimas seminuas, acariciando o pentagrama - e em seguida acordes inteiros, complexos e harmoniosos, que tiravam o fôlego, um estopim de explosões.

Eu gostava quando você me saboreava, sem nenhum pudor, com o apetite voraz, chupando, mordendo, lambendo. E aquela música era um verdadeiro banquete degustado pela alma, de um sabor único, deixando os sentidos a flor da pele. 

E era quando a música chegava em seu clímax, nos acordes maiores em fortíssimo, que o ar escapava dos pulmões, o grito de prazer da goela, as bocas escancaravam-se acompanhando o arquejar das costas. Era um pequena morte - e morrer era glorioso.

Nos desmanchávamos.

Saciados pelo banquete, só nos restava chupar os dedos, o prato - o corpo.

E ainda abalados pela sinfonia ensurdecedora, que agora tocava nas memórias, nos arrastávamos exaustos para aninhar-mos um no outro.

Acendiamos mais um cigarro.

Você elogiava meu sorriso. 

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⏰ Última atualização: Aug 14, 2019 ⏰

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