estrada.

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Abri mapas e segui ruas, estradas. Li placas, descobri novos nomes, ares, lugares. Ao olhar além dos vidros, enxerguei o sol, ora de cá, ora de lá, e sua luz amarela e alaranjada contra a minha pele e que aquecia cada poro.

A serenidade que está em meu rosto é como uma máscara, as lufadas de ar e os bocejos, o som baixo quase inaudível do pneu contra o asfalto molhado do início da tempestade que mais cedo, anunciou no noticiário que estaria por vir. Janelas fechadas e agasalhos, um parabrisa que se move de cinco em cinco minutos para que ninguém se perca. Árvores ao meu redor, dançando conforme o vento e molhando suas folhas conforme a garoa. Garoa essa que engrossa a cada minuto, diminuindo a pausa entre os deslizes do parabrisa contra o vidro, que diminui a velocidade dos veículos e inunda as cabeças. Faróis dos veículos ao outro lado da estrada. O cheiro da terra molhada imperceptível para quem se fechou. As gotas frias contra o capô pouco empoeirado, os cachecóis enrolando-se cada vez mais nas jugulares no intuito de esquentar e trazer conforto.

Peitos aquecidos da pele para fora, num miocárdio tão gélido que enxergo a noite cair. Lentamente vem o poente, onde vagamente exibe seu primeiro e mais forte astro, que com os minutos caminhando, não é mais o único que meus olhos nus podem ver. Como podem haver estrelas presentes numa chuvosa noite de inverno? Corações vazios dentro de veículos correndo numa mesma luta até seu destino final, onde pensam encontrar o que enchem-lhes o peito. Observando o mapa, minha velocidade diminui. Antes que veja toda a luz transformar-se em nada menos do que toda escuridão, um pássaro silencioso rasga o céu e balança o topo de uma árvore quando pousa, um arrepio percorre toda minha espinha e mais linhas cruzam aquela folha rasgada de mapa. Quando ficaremos bem? Quantos sóis ainda devo olhar para que finalmente sinta teus orbes pousar em mim e queimar-me o coração? Quantas gotas devo observar com lentidão pousar em meu vidro até que escorregue em direção ao fim de sua vida? Quantas ruas devo virar? Quantos pássaros devo ver? Quantas árvores contarei? Sou motorista até que se faça passageiro esse grande sentimento infindo em meu peito. Carrego como uma bola grande de ferro em todas as estradas, casas e cidades, visitando cada país e conhecendo cada idioma para lhe apresentar quando puder enxergar teus olhos brilhantes em reflexo aos meus. Peço um silencioso socorro como uma sinaleira para alertar que entrarei em outra rua desconhecida. Deslizo minha palma por todo volante durante horas, meus pés cansados doem no acelerador mas se cortam quando toco o freio, como lâminas que me impedem de deixá-lo.

Por que me machuco ao fazer o que tu fez? Eu já não enxergo estrelas, grandes e negras nuvens acobertam o infinito acima de minha cabeça, a garoa é uma grande tempestade. Não há ninguém na rua, são almas vazias em veículos que viajam junto ao meu destino. Mas o vazio é grande e ocupa. Viro mais uma rua e não há uma única vida com que posso me comunicar. Continuo seguindo para meu destino, ouço suas trovoadas e enxergo além toda vez que um reluzente raio toca o chão. O frio agora atravessa toda a lataria do carro e minha pele quente não se agrada. No fim de uma mente como a minha, toca algo calmo, que dança na estrada junto ao carro. Que conhece os buracos e pedra no caminho para me alertar. A tempestade não me assusta, seus raios me encantam, mas onde está o fim da estrada? As gotas de água continuam a cair, dessa vez mais calmas e suaves. Finas e pouco barulhentas.

Amanhece e só enxergo branco. Tudo é branco. Ouço a tempestade que há segundos era garoa. Por que não estou na estrada? Onde está meu carro? A música ainda soa no fundo de minha mente, e de não ver nada além do branco, minhas pálpebras se movem e enxergo tudo. Onde está a rua que acabei de virar?

Continuo em minha cama.

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⏰ Última atualização: Jan 30, 2020 ⏰

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