Henrique Oliveira
Graças a Deus o movimento na cafeteria está fraco, tem dias que isso aqui fica um inferno e tenho que ajudar os funcionários no salão. Ralei muito para conseguir esse estabelecimento, no começo era um lugar alugado, mas juntei um bom dinheiro e consegui comprar esse prédio. Optei por esse bairro por conta da grande movimentação de universitários e de funcionários dos altos prédios. Não costumo lidar com clientes, mas quando o movimento aumenta, nada mais justo do que ter um par de mãos a mais.
Hoje posso respirar aliviado e dizer que sou feliz, passei por uma fase difícil na minha vida, e não gosto nem de lembrar desse passado obscuro. Não sou rico, mas consigo tirar o pão de cada dia, além de pagar três funcionários. Tenho uma casa confortável e posso pagar tranquilamente a escola da minha filha. Helena tem sete anos, infelizmente perdeu a mãe aos dois anos.Eu não sabia de sua existência, mas quando a Michele viu que não tinha condições de cuidar de uma criança, ela bateu em minha porta e me entregou um pequeno pacotinho. Não tive dúvidas, meu coração sabia que ela era minha filha, e o DNA veio apenas trazer a confirmação.
Conheci a Michele na época da faculdade, cursávamos administração juntos, mas infelizmente ela se envolveu com coisas erradas. E a linda menina ao qual eu me apaixonei, se entregou de vez as drogas, morrendo dois anos depois de overdose. Desde então venho cuidando sozinho da Helena, não tenho pais ou parentes próximos.Antes de vir para o trabalho, a levo para a escola, onde fica em período integral. Por volta de cinco da tarde, dona Maria a pega na escola e fica em casa, até a hora em que chego do trabalho, sempre por volta de oito da noite.
Sei que essa não é a melhor forma de cuidar de uma criança, mas não é sempre que posso me dar o luxo de não ir trabalhar. Querendo ou não, estou buscando o melhor para minha filha.
São quase seis da noite, e a mulher que habita meu sono diariamente aparece. Linda, e poderosa como sempre. Ela tem os cabelos ondulados, sempre fico na dúvida se são pretos ou castanhos, ela deve ter um metro e setenta, e possui um corpo de dar inveja em qualquer uma. Todos os dias ela vem e pede o mesmo, um café com pouco açúcar, no maior copo que temos. Sei que ela trabalha por aqui, mas não sei especialmente onde. Eu sempre tento, mas não tenho coragem de puxar qualquer assunto com ela. Ela é sempre simpática com todos, esbanjando seu lindo sorriso.
— Boa noite — Sou tocado pelo doce som de sua voz —, vou querer o mesmo de sempre, o maior copo que você tiver, por favor. — diz, paga e se retira, sentando-se em uma cadeira, a espera de seu pedido.
Dessa vez farei diferente, ao invés de chamá-la para pegar sua bebida, irei levar até sua mesa, e quem sabe assim conseguir puxar assunto com essa mulher. Me retiro de trás do balcão e caminho lentamente em sua direção. Ela está com os olhos vidrados no celular, um mal do século que vivemos.
— Sua bebida, senhorita. — Estendo o copo, ela pega e não se dá o trabalho de dirigir o olhar para mim.
— Muito obrigado, não sei o que seria de mim sem essa deliciosa bebida. — Toma um pouco do café, e fico como um bobo, apenas admirando a cena a minha frente.
— Teve um dia difícil? — Me arrisco em perguntar.
— Eu deveria estar acostumada, mas não tenho saco para algumas coisas, sabe? — Levanta a cabeça, dirigindo o olhar para mim, ela me olha em choque por alguns minutos e fico sem entender o porquê. — Você é novo por aqui?
— Imagino, nunca nos acostumamos com essas coisas — digo, olhando fixamente em seus olhos pretos como o café —, e não, eu sempre trabalhei aqui.
— Engraçado, não me lembro de tê-lo visto por aqui, certamente eu lembraria de ver um homem como você, tão...
Somos interrompidos por um dos funcionários, que diz que precisa de mim com urgência na cozinha. Amaldiçoou até sua última geração, não é possível que essa emergência não possa esperar uns minutos. Sem ter o que fazer, me despeço da moça e sigo para a cozinha. Espero que seja algo realmente sério, porque se não for, matarei o filho da mãe que me atrapalhou.
Como dificilmente tenho tempo para sair, a Bruna é a única mulher que me chamou atenção. Não me lembro quando foi a última vez que beijei alguém, difícil até lembrar quando foi que dormi com uma mulher. Não posso dizer que isso é totalmente culpa da minha rotina, digamos que nunca fiz questão de sair para procurar alguém. A última vez que fui em um show, foi quando meu amigo José me arrastou e isso foi a muito tempo atrás.
Quase oito da noite, me despeço dos funcionários e vou embora. O trânsito nesse horário é tranquilo, então em pouco mais de vinte minutos chego em casa. Moramos no bairro de Fatima, pelo fato de eu ter a Helena, optei por comprar uma casa, não gosto da ideia de criança ser criada em apartamento. É uma casa grande, com uma enorme área na frente, onde tem alguns brinquedos espalhados, coisas de criança.
— Papai, você demorou. — Helena corre para meus braços, assim que passo pela porta de entrada.
— Oi, minha pequena. — A abraço, deixando um beijo em sua testa — Não demorei, filha, hoje papai chegou até antes do horário.
— Tem muito tempo que eu não te vejo, papai. — diz, não perdendo a chance de fazer drama — Estava com muita saudade — Me abraça pelo pescoço, e eu não sei o que seria da minha vida sem essa princesa.
— Não se preocupe, agora papai já chegou e vamos assistir desenho, o que acha?
— Oba, oba!
Ela desce de meus braços e corre para seu quarto, troco algumas palavras com a dona Maria e me despeço, agradecendo mais uma vez por ficar com a minha pequena. O tempo que Helena escolhe o desenho, aproveito para tomar um banho e tirar esse cheiro de café que está impregnado em minha roupa. Debaixo do chuveiro, flashs da minha pequena conversa com a Bruna me atormenta, eu não sei nada sobre essa mulher, apenas o primeiro nome. Queria entender o que ela tem de tão especial, que me deixa vidrado.
Daria tudo para saber um pouco mais sobre ela, qual idade, o que faz, que coisas gosta de fazer. Tenho trinta e três anos, e parece que desaprendi totalmente como se aproximar de uma mulher.
Era só o que me faltava!
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Nuances do Amor - DEGUSTAÇÃO
ChickLitBruna Alencar é uma jovem empresária que apesar das marcas do passado vivia sua vida tranquilamente. Esforçada, Bruna apanhou da vida para aprender a não baixar a cabeça. Henrique Oliveira, aprendeu cedo como educar uma filha sozinho. Aos trinta e...