O almoço

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Terça-feira sempre foi um dia especial. Desde que Roberto e Júlia haviam se separado, era o dia de almoçarem juntos com seus filhos, Will, o caçula, quatro anos mais novo que a irmã Sandrinha, de 14 anos. O casal de irmãos vivia com a mãe e estudava na mesma escola, um colégio na zona oeste de São Paulo. Desde que seus pais se separaram quando eram bem pequenos, moravam em uma casa de uma vila em um bairro também chamado de Vila. Os dois estudavam pela manhã e, todos os dias, voltavam da escola juntos de ônibus na hora do almoço, pouco antes do pai chegar, então ficavam na sala assistindo televisão enquanto o esperavam para almoçar.

A expectativa para o almoço com o pai era grande, ele sempre chegava de bom humor e trazia gibis de presente para os filhos, o Cebolinha para Will e a Mônica Jovem para Sandrinha. Eles se abraçavam e beijavam, conversavam um pouco, às vezes dava tempo de ir ao quarto de um dos filhos, dos dois se possível, para se inteirar das novidades ou brincar até que a mãe os chamasse à mesa.

Todavia, essa terça-feira era mais especial do que as outras, pois era a primeira terça-feira de outubro. Para as crianças, era dia de mostrar o boletim da escola para o pai com as notas do terceiro bimestre de aula. O que talvez não fosse tão especial caso as notas dos filhos fossem boas, mas, de antemão, os pais sabiam que neste bimestre as coisas não iam tão bem como antes. Da parte de Will não havia qualquer problema com a escola, já Sandrinha corria o risco de perder o ano – pelo menos era o que havia alertado sua professora orientadora para Júlia ao telefone cedo pela manhã, expressando preocupação com a queda de desempenho nas aulas e nas provas do terceiro bimestre de sua filha.

A situação era preocupante, tanto que, nessa terça-feira especial, Roberto havia chegado mais cedo, antes que seus filhos, para conversar com a ex-esposa sobre a situação de Sandrinha. Mas, para o pai, apesar dos problemas da filha com as notas, o dia era ainda mais especial, pois além dos gibis que sempre trazia, ele tinha outra surpresa para a família. Uma surpresa que foi logo revelando com um sorriso no rosto assim que chegou e foi até a cozinha cumprimentar Júlia que lá estava ajudando a diarista a preparar o almoço.

– Consegui os ingressos para o jogo do Coringão! – disse Roberto com alegria. Em seguida, cumprimentou Júlia com um beijo e mostrou os quatro tickets que tinha na mão. A ex-esposa sorriu e disse: "Que bom". Um pouco mais sério, Roberto coçou a barba e perguntou:

– Como você sabe que vou com as crianças, tenho obrigação de perguntar se quer ir conosco... – falou em um tom insinuante, pois já imaginava qual seria a resposta de Júlia:

– Você sabe que eu torço pro Tricolor...

– Então posso ir com a Márcia? – perguntou se referindo a sua atual namorada, que também torcia pro Coringão como seus filhos.

– Claro que pode, Beto. Nem sei por que pergunta. Sabe que jogo de futebol pra mim só pela televisão.

– Mas é na nova arena.

– E daí?

– E daí que paguei uma fortuna por esses ingressos para finalmente conhecemos a nova casa do Coringão – disse Roberto sem que Júlia expressasse algo. Ela não tava nem aí para isso, preocupava-se era com o problema da filha, por isso, assumiu um tom sério e falou encarando o ex-marido:

– Sei... Mas, escute. Você não chegou mais cedo pra falar de futebol, né? Vamos conversar?

– Sim, vamos... – anuiu Roberto.

Júlia deixou o almoço aos cuidados da diarista e os dois se dirigiram à sala de estar, Roberto sentou no sofá logo atrás da janela que dava para rua, de onde podia observar a vila ao fundo. Júlia se sentou em uma poltrona em sua frente e foi logo despejando:

Dia de DecisãoOnde histórias criam vida. Descubra agora