Durante o almoço, Roberto não deixou de notar a preocupação de sua ex-esposa e a cara de poucos amigos da filha, que permaneceu calada quase o tempo todo. Somente Will estava festivo e bem-humorado com a presença do pai, especialmente após saber que ele tinha conseguido comprar os ingressos para o jogo do Coringão. Apesar do desânimo, o único momento em que Sandrinha demonstrou algum entusiasmo foi, justamente, ao confirmar para o pai que queria muito conhecer a nova arena de seu time de coração. Estranhamente, ainda que demonstrasse euforia, Will estava com medo de ir ao jogo.
– E se o Coringão perder? – perguntou temerosamente o garoto.
– Não vamos perder – afirmou o pai com convicção.
– Mas é contra o Verdão, pai – sim, o jogo era contra o Verdão, o arquirrival do Coringão, considerado o melhor, além de mais rico time do país. Nas últimas rodadas, o Coringão havia perdido pontos na tabela do campeonato, se fosse derrotado no jogo, perderia a liderança para o Verdão, então, muito provavelmente, não mais alcançaria o arquirrival na pontuação, já que faltavam poucas rodadas para o encerramento do campeonato. Por outro lado, se vencesse o jogo, o Coringão abriria seis pontos de vantagem do Verdão e dificilmente deixaria a conquista escapar, em função disso, o jogo era decisivo.
– Não se preocupe, filho. Com nossa presença na arena, o Coringão vai vencer, afinal, somos pé-quente, não somos? – O garoto concordou e até Sandrinha sorriu perante o entusiasmo do pai.
Ao término do almoço, Roberto e Júlia conversaram brevemente a respeito da situação da filha. A mãe não revelou nada a respeito do que ficou sabendo e da possível gravidez de Sandrinha, antes de mais nada, queria ir ao médico realizar um exame de ultrassom para confirmar o fato antes de contar ao ex-marido. Júlia apenas pediu paciência e disse que a filha estava vivenciando sua primeira grande frustração amorosa, mas que estavam conversando e que o ano escolar ainda não estava perdido. Se Sandrinha recuperasse as notas no último bimestre, ainda dava pra passar de série nem que tivesse de fazer recuperação em algumas matérias durante as férias.
Mais tranquilo após a conversa com a ex-esposa, Roberto foi embora. Sem perder tempo, Júlia pegou sua filha para levá-la ao médico e fazer o tal exame de ultrassonografia.
O problema foi driblar a burocracia do plano de saúde, para isso, Júlia precisou recorrer ao médico da família, o pediatra de seus filhos, e inventar uma história para conseguir uma autorização para o exame. Sandrinha não queria que seu médico desde bebê ficasse sabendo que estava grávida, Júlia precisou fingir que o exame era para si e não para a filha. Ainda assim, no laboratório, teve de passar por certo constrangimento quando a médica que realizaria o exame percebeu a situação, que Sandrinha estava se passando pela mãe.
Compreensiva com o pequeno drama entre mãe e filha, a médica apenas fingiu não ter notado algumas discrepâncias na guia do exame e procedeu com o exame na garota.
A sós com a médica na sala de ultrassom, Sandrinha não tirou os olhos da tela de imagens enquanto ela passava o aparelho em seu abdome. Com brilho nos olhos, observou a imagem do pequeno caroço dentro de seu útero quando a médica delineava o que seria a cabeça do embrião que carregava no ventre. Nesse instante, Sandrinha deixou escorrer algumas lágrimas de emoção. Percebendo a emoção da paciente, com um tom fraternal, a médica falou:
– Hum... Você tão mocinha, já com um bebê na barriga... – frente às palavras, o choro de Sandrinha se intensificou. – Você já sabe o que vai fazer com esse bebê? – questionou a doutora. Um pouco hesitante, a jovem paciente respondeu:
– Não tenho certeza ainda...
– Saiba que, não importa o que te digam, essa é uma decisão que só cabe a você... – insinuou a médica. Sandrinha, apesar de bastante jovem ainda, não era boba, sabia que a médica se referia a um possível aborto, por isso, foi direta:
– O que você acha, doutora? É correto abortar? – Sem dizer nem que sim, nem que não, a médica se resumiu em manifestar:
– Você sabe que existem contraceptivos que poderiam ter evitado essa gravidez prematura.
Após a consulta, a médica foi questionada por Júlia a respeito de um possível aborto. Apesar de ter deixado claro seu posicionamento contrário ao tema, a doutora atestou a gravidez de Sandra e estipulou um prazo de uma semana para que o processo fosse executado por medicamento, caso contrário restaria apenas o procedimento operatório, mais invasivo e traumático para a paciente, além de arriscado, suscetível a complicações. Por questões éticas, a médica se recusou a fornecer uma receita, tão pouco informou como, onde ou a quem Júlia poderia recorrer.
De volta pra casa, Júlia recorreu à Internet para se informar. Em sua cabeça, o aborto imediato era a única escolha para sua filha. Sandrinha não tinha tanta certeza:
– A vovó jamais concordaria com isso – disse em referência a mãe de sua mãe, uma mulher religiosa que costumava dizer que aborto é pecado mortal. Júlia não tinha ideia quando a filha teria escutado isso da avó, tão pouco partilhava da mesma fé dela, por isso, se fez imperativa perante a hesitação de Sandrinha:
– Filha, você não tem escolha. Precisa interromper essa gravidez já antes que mais alguém fique sabendo. Seu pai jamais permitiria você estragar sua vida por uma coisa dessas. Você ainda é muito criança pra sequer imaginar o que é criar um filho nessa idade.
– O papai não pode ficar sabendo! – disse Sandrinha, nervosa.
– É claro que não. Se contarmos pra ele, ele vai querer ir na polícia mandar prender teu namorado. Vai ser um escândalo.
– Você promete que não vai contar nada pra ele, promete?
– Prometo. Mas de nada adianta se não interromper a gravidez, se não uma hora ele vai ter que ficar sabendo – disse a mãe.
– Mas o Jonas tem que ficar sabendo. Não vou decidir nada antes de falar com ele – arredou o pé a jovem.
Nesse instante, mãe e filha começaram a brigar. Júlia insistindo que o único caminho era o aborto, Sandrinha argumentando que precisava pensar melhor e falar com o namorado. Na cabeça da jovem, imaginava, se o namorado ficasse sabendo, talvez eles pudessem se casar e criar o filho. Com ajuda dos pais, terminariam a escola, depois iriam morar juntos, fazer faculdade e trabalhar para manter a família, se tudo desse certo, poderia ser jogadora de vôlei profissional e sustentar todo mundo. Verdade que a garota ainda era apaixonada pelo namorado, queria a qualquer custo retomar a relação, por isso, ao menos nesse instante, a gravidez lhe parecia um incentivo para que isso acontecesse, pouco importava o que dizia e bronqueava sua mãe.
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Dia de Decisão
Short StoryRoberto e Júlia são desquitados e possuem dois filhos pré-adolescentes, o menino caçula Will e sua irmã mais velha, Sandrinha, de 13 anos. O pai vive separado da mãe e dos filhos, mas toda terça-feira se junta a eles para almoçarem juntos. Apesar da...