– Como assim, filha? Me diga o que aconteceu... – perguntou Júlia, com desespero na voz. Constrangida e mal contendo os soluços, Sandrinha respondeu:
– O Jonas, mãe... – hesitou. – Acho que ele me estuprou.
– Como acha, minha filha? Você precisa me contar direitinho o que se passou.
E a filha contou tudo. Entre lágrimas de tristeza e mistos sentimentos de vergonha e inconformismo de ambas as partes, carinhos e abraços, frases suaves e ásperas, Sandrinha se abriu para a mãe. Sabia que era preciso, que não podia mais esconder o que se passava ou disfarçar seus sentimentos, não só, havia galgado um limite que apenas o colo da mãe poderia apartar o desespero que até então guardava para si. Durante o papo, a mãe se mostrava completamente pasma, pois, como o pai, até então achava que o namoro da filha não fosse além de andar de mãos dadas e dar uns beijinhos. Já a filha, a princípio, estava corada e tímida ao se abrir tão francamente como nunca antes havia se permitido, ainda assim, pelo estresse da situação, às vezes se irritava e respondia com rispidez por certa "caretice" da mãe ou algumas afirmações embaraçosas, envergonhada como estava a menina no momento.
– Pô, mãe... Só beijinho?! Se hoje tem até música? – irritou-se a filha, então cantarolou: – "Beijo na boca é coisa do passado. A moda agora é... É namorar pelado".
E foi o que fizeram, Sandrinha e Jonas, namoraram pelados. Os dois estavam paquerando desde o começo do ano e namorando praticamente desde o início do segundo semestre. Mas pelo que considerava como namoro "pra valer", coisa de dois meses, justo quando namoraram pelados pela primeira vez.
– Mas vocês transaram ou ele te estuprou, filha? – A filha, irritada, levantou a voz brevemente, depois se conteve, temendo que alguém ouvisse do lado de fora da porta.
– Não sei se é isso, mãe.
Verdade que, no começo, eles só "brincaram". Beijos, carícias especiais até que, com os hormônios a flor da pele e apaixonado como estava o casal, Jonas propôs abertamente que fizessem sexo. Estava na hora de ambos perderem a virgindade. Sandrinha também estava louca para transar com ele, mas tinha medo de ficar grávida. Quanto a isso, chegaram até a conversar a respeito de usar camisinha, porém, dizia o namorado:
– O legal é sentir como nós realmente somos: na pele. Você quer que sua primeira transa seja com gosto de borracha? – ademais, camisinha dá assadura, segundo dizia, melhor seria se ela tomasse pílula.
Mas para tomar pílula, Sandrinha precisava passar por um ginecologista, teria de falar com a mãe e tudo isso parecia tão embaraçoso. Da parte dele, embora não tenha apresentado nenhum exame, Jonas atestou que consultou um urologista e que estava "limpo", inclusive o teste de AIDS deu negativo. Enquanto não se decidiam, eles continuaram "brincando", cada vez um pouco mais. Sem camisinha ou pílula, tiveram de improvisar.
– Como "improvisar"? Diga de uma vez, filha. Não tenha vergonha – Mas para a filha, era impossível não ter vergonha, ao menos não com a mãe. Ainda assim, tentou explicar:
– Ele foi me ensinando. Você sabe... Primeiro com as mãos... Aí depois você vai assim... – disse ela abrindo a boca levemente.
– Vocês fizeram sexo oral?
– Dãrr... Sim – confessou a jovem, já estava claro que havia deixado seus tempos de menina para o passado. – Depois ele fez com o dedo... Fez do outro jeito, sabe como é, né?
– Com o dedo, filha? Ele pôs o dedo lá? Mas chegou a... Sangrar? – titubeou Júlia ao perguntar, então preferiu dizer com todas as letras: – Ele te tirou a virgindade com o dedo, é isso?
– Não, mãe! Claro que não. Eu não sou tão burra assim, viu? Sei bem como é perder a virgindade, ele pôs o dedo no... Outro lugar.
– Outro lugar? Você diz no...
– É! – respondeu Sandra, irritada. – No outro lugar e depois com o... – interrompeu a fala ao se dar conta do que ia revelar.
– O pinto?
– É!
– Atrás? Digo... Anal?
– É!!... E depois na frente.
– Sem camisinha?
– Sem nada, mãe, num falei, ô!
– Tá filha, calma. E por que você diz que foi estuprada?
– Porque eu não queria, mas a gente já tinha feito do outro jeito algumas vezes, e ele ficou insistindo... Queria roçar um pouquinho. Mas, na última vez, ele forçou, começou a doer muito, aí saiu sangue. Eu pedi pra ele parar, mas ele continuou, repetia "só mais um pouco", "só mais um pouco"... Tava doendo, depois ficou bom, eu pedi pra ele parar. Então ele... Acho que gozou e parou – falou timidamente, depois foi franca: – Acho não, ele gozou sim.
– Como tem certeza?
– Porque eu tô grávida – enfim revelou toda a verdade.
Nesse instante, Júlia ficou muda, não sabia o que pensar, se brigava com a filha ou amaldiçoava a si mesma, sentiu que havia falhado em seu papel de mãe. Não alertou a filha sobre os pormenores de uma relação íntima, não a preparou corretamente para lidar com uma situação como ela acabava de narrar. Bem verdade que, depois que ela virou mocinha, já havia conversado sobre sexo com a filha, inclusive havia lhe dado um livro didático voltado para pré-adolescentes que falava de namoro, sexo e reprodução. As duas debateram a respeito: como se dava o ato sexual, o ciclo menstrual, a gravidez, os métodos anticonceptivos e tudo mais. Daí imaginar que a filha já praticasse sexo anal ia uma larga distância. Saber que ela estava grávida então... Era um grande choque.
– Mas como você pode ter certeza disso? Tá contando seus ciclos direitinho?
– Eu fiz um teste de farmácia.
– E como você sabe que tá correto?
– Orra, Mãe! Você acha que eu não sei ler uma bula e fazer um teste?? O resultado deu positivo.
Um pânico momentâneo tomou conta de Júlia. As duas continuaram a conversa, a princípio, a mãe acreditava na versão da filha sobre o estupro, depois ficou claro que a coisa não era bem assim. Sandrinha havia cedido à vontade do namorado, mas ele não a havia agredido ou mesmo a segurado a força, no máximo, forçado um pouco a barra, mais na lábia do que qualquer coisa, ainda assim, o arrependimento da filha e as conversas que teve a respeito do caso com a sua melhor amiga da escola a levaram crer que a situação fosse um estupro. Ao confrontar Jonas, os dois acabaram discutindo e brigando feio, desde então, ele não queria mais papo, vinha evitando qualquer contato com ela na escola. Sandrinha não sabia mais como agir com ele.
– Foi por isso que você brigou com a Camila?
– Sim, ela ficou insistindo pra eu contar pra Estelona – disse em referência a orientadora. – Ameaçou de contar pra ela e pra nossa técnica – a professora de vôlei.
– Mas precisava bater nela?
– Precisava! Ela ficou insistindo com o assunto. Não me deu força quando o pessoal quis tirar sarro de mim porque eu briguei com o Jonas. É uma falsa ela! – disse Sandrinha com raiva, no fundo, Camila era uma invejosa, pensava a jovem. No começo, ela até incentivava, assistiam aos filmes na Internet juntas, ela que sugeriu fazer do outro jeito, mostrou como era, depois ficou criticando. Aí veio com esse papinho de seriado da TV dizendo que se ela não queria fazer na frente era estupro, "Se você fala não, ele tem de parar na hora", insistia em afirmar, o que só deixava Sandrinha mais preocupada. Quando fez o teste de gravidez, Camila também ameaçou dedar pro Jonas.
– Eu tô de bode com essa garota – disse Sandrinha.
– Então o Jonas não tá sabendo de nada. Você não pretende mais falar com ele? – retomando o choro, Sandrinha disse:
– Não sei, mãe. Realmente não sei.
A dúvida permaneceu,pois não havia, de instante, tempo para saber o que fazer, a diarista bateu naporta interrompendo o drama de mãe e filha, o almoço estava servido. As duasretomaram a compostura, enxugaram os olhos e, antes de se juntarem ao resto dafamília, Júlia combinou com a filha que nada revelassem ao pai sobre a gravidez.
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Dia de Decisão
Short StoryRoberto e Júlia são desquitados e possuem dois filhos pré-adolescentes, o menino caçula Will e sua irmã mais velha, Sandrinha, de 13 anos. O pai vive separado da mãe e dos filhos, mas toda terça-feira se junta a eles para almoçarem juntos. Apesar da...