Uma dúvida cruel

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No dia seguinte as coisas mudaram de figura quando não só Sandrinha, mas também Will, retornaram da escola, juntos como sempre, entretanto, mais cedo do que de costume: os dois haviam se envolvido em brigas e acabaram tomando suspensão, por isso foram autorizados a tomar um Ubber para casa antes do término do dia letivo.

Que Sandrinha tinha muitos problemas em sua cabeça, a mãe já sabia. Mas, em relação ao caçula, jamais esperava tal comportamento justo naquele momento.

– Até você, Will! Poxa, filho. Tá querendo imitar sua irmã? Por que essa agora de brigar assim? – questionou Júlia ao confrontar o filho.

– Foi aquele puto do Armando! Ele que começou... – Armando era coleguinha de classe do filho, torcedor do Verdão. Os dois viviam discutindo e zombando um do outro por causa de futebol, já tinham brigado algumas vezes anteriormente.

– Filho! Olha essa boca, isso é jeito de falar?

– Não, mas mãe, foi ele que falou. Ele que provocou. Tudo porque eu disse que o papai conseguiu os ingressos pro jogo do Coringão. Ele ficou com raiva e me xingou – disse Will, falando rapidamente.

– O que ele disse?

– Falô que eu sou mortadela, que vou dar azar e o Coringão vai perder. Ficou contando mentira pra todo mundo, disse que o estádio vai desabar e que se eu for, eu vou morrer.

– Que bobagem, meu filho. Você ficou bravo por isso? Vê se pode... – expressou Júlia, contendo a risada, afinal, o momento era para bronca e não risos.

– Pode sim! Ele e os puxa-saco dele falaram que a arena é roubada, que o presidente roubou o dinheiro pra dar pro Coringão construir, que ele tá preso por isso. Falou que o estádio foi feito num lixão.

– Aí, filho. Essa história é complicada, num é bem assim a coisa, esses meninos tavam só querendo te aborrecer...

– Mas aí ele, o Armando, ficou me xingando, falou que eu era ladrão também, falou que a arena é uma aberração, um aborto do futebol, ele falou – nesse instante, Júlia teve um leve arrepio, como se Will estivesse sabendo de algo, mas era só uma estranha coincidência. Não bastasse, o menino ainda disse:

– E depois eu contei pra Sandrinha e ela brigou comigo no ônibus. Falou pra não falar a palavra aborto na frente dela nunca mais... E também falou que o presidente roubou pra construir a arena, que foi eletorero... Louca!

Louca nada, na verdade, Sandrinha estava somente fora de si, o acontecido na escola carregava seu drama pessoal às raias do total absurdo. Durante o horário de recreio, ao procurar por Jonas na escola, o encontrou aos beijos com Camila em um canto do ginásio. As duas quebraram o pau, Sandrinha tentou bater em Jonas também, e o que era amizade por uma e paixão pelo outro, só restou um sentimento de raiva para com ambos.

– Filha, onde está teu juízo? E se essa menina te dá uma pancada na barriga, imagina o que pode acontecer? – interrogou a mãe ao ouvir o relato da filha, a sós, em seu quarto. De maneira sarcástica e pouco educada, Sandrinha respondeu:

– Aí eu perderia o bebê exatamente como você quer... Resolveria teu problema!

– Não fala assim, filha.

– Falo sim! Não é verdade por acaso?

Por acaso era. Acabar com a gravidez e o próprio sofrimento da filha era tudo que Júlia tinha em mente, mas não dessa maneira assim violenta, é claro. Não por menos desejava que a filha tomasse logo o remédio que a permitisse abortar com o mínimo de sofrimento possível.

Fato era que a briga com Jonas mudava o panorama da conversa entre mãe e filha do dia anterior. Para Júlia, simplificava ainda mais as coisas, já que o pai da criança não demonstrava mais interesse pela filha e sequer sabia da gravidez, aliás, ainda bem que ninguém mais sabia, que se abortasse e se tratasse de esquecer essa história o quanto antes. Seria um segredo de mãe e filha, prometeu Júlia. Promessa que não se resumiu ao segredo, mas na disposição em cuidar da filha, a começar por levá-la ao ginecologista para pudesse tomar pílula e evitar nova problemática igual no futuro, passando por ajudá-la pessoalmente nos estudos para que conseguisse passar de ano e, por fim, se comprometendo a buscar ajuda profissional, um professor particular para ajudá-la estudar e uma terapeuta com quem pudesse conversar.

Sandrinha deu ouvidos à sua mãe, sabia que ela tinha razão. Ter um filho aos 14 anos de idade – 15 quando nascesse – mudaria radicalmente sua vida para sempre. Ter um filho não era como brincar de casinha, significava deixar os dias de criança para trás e levar uma vida de adulta – o que certamente não seria fácil conforme a mãe insistia em dizer.

– Mas se eu quisesse ter esse filho, você não me ajudaria a criá-lo?

– Claro que sim, minha filha, afinal, não estamos falando de qualquer criança e sim de meu neto – confortou Júlia.

Talvez lidar com o bebê, apesar de certamente trabalhoso, não fosse o maior problema exceto pelas despesas com fraldas, papinha e outros cuidados mínimos indispensáveis. Mas como lidar com os amigos, os colegas da escola ou mesmo o pai da criança? Pai que, de instante, sequer tinha ciência dos fatos ou se sabia se estaria disposto a assumir a paternidade e ajudar a criar o filho, nem que fosse, ao menos, contribuindo com uma pensão mensal.

– Se ele não quiser assumir, dá pra denunciar naquele programa de teste de DNA da TV – disse a jovem referindo-se ao programa do Ratinho.

– Não brinca, minha filha. O papo é sério.

Esses últimos fatores baseavam o apelo de Júlia para que a filha abortasse. Na visão da mãe, Sandrinha tinha toda sua juventude pela frente para curtir antes de se comprometer em criar um filho. Todavia, na mente da jovem, para tudo haveria de existir uma saída. Quanto aos amigos, não deixariam de sê-lo só porque se tornaria mãe, era de esperar que a apoiassem fosse qual fosse sua decisão. Já os colegas da escola, as fofocas dos professores ou o risco de perder o ano, poderia, talvez, deixar de estudar por um ano para se dedicar à gravidez e aos primeiros meses de vida do bebê, depois retomar os estudos em outra escola onde já seria mãe quando iniciasse, assim evitando ter de lidar com explicações, possíveis zombarias, fofocas e olhares recriminadores de seus atuais colegas ou mesmo professores.

– Você acha que já vai dar pra notar minha barriga até dezembro?

– Com certeza. Mas como seu corpo é esguio, até daria pra disfarçar com as roupas certas.

– Será que dá pra continuar no vôlei?

– Filha, você está grávida e não doente.

Quanto ao seu pai, o irmão e sua família, incluindo os avós, seus tios e os primos mais próximos, certamente receberiam a novidade com um choque, mas não haveria de ser nada que, com o tempo, não se acostumassem. Havia ainda outro detalhe:

– A bisa não se casou com 13 anos? E teve o tio Zé com 14? Então por que eu não poderia também? – questionou Sandrinha à mãe.

– Porque sua situação é totalmente diferente da sua bisavó. Você não vive em uma cidadezinha onde Judas perdeu as botas como ela morava – disse em referência ao vilarejo de Três Rios, bem no interiorzão de São Paulo, próximo ao Mato Grosso do Sul. Júlia acrescentou: – Naquele tempo era comum casar jovem, ao menos lá, né? Se aparecia um pretendente, se casava de uma vez. Hoje as coisas são diferentes.

O que era verdade, ainda assim, não dirimia as dúvidas de Sandrinha. Apesar de compreender as razões da mãe, a garota estava literalmente sem ideia do que fazer, de qual decisão tomar.

Ao perceber a dúvida da filha, apesar dos contras que elencou, ao menos uma coisa era ponto passivo na visão de Júlia: a filha não poderia desperdiçar sua vida assim por um deslize momentâneo.

– Pense no que você tem passado nessas últimas semanas: a aflição, a sua deprê desde que começou essa história com o Jonas. Você tá correndo risco de perder o ano e ainda assim pensa que pode lidar com um filho? Não dá, filha. Você não pode deixar tudo de lado por causa disso. Acredite em mim – apelou Júlia.

– OK, mãe. Você tem razão quanto a isso, eu deveria ter te contado antes. Mas, vamos combinar? Me deixa pensar direitinho, refletir e... Prometo que, quanto a escola, vou tratar de recuperar as notas, vou provar pra você, e pro papai, que posso ser responsável e passar de ano.

– Você tem amanhã o dia todo pra pensar, você e seu irmão. Afinal, estão suspensos da escola. Que isso não se repita, viu?

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