Cimentos

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Rafa:

   Quando a última pessoa faz sua escolha, cada uma das facções começa a se deslocar para fora do teatro. Os primeiros são os iniciandos da audácia que saem correndo aos gritos. Visualizo Jonathas, Yasmin, Letícia e Gabi, todos com os cabelos esvoaçantes, posto a corrente de ar que vinha do novo dia, iam tão rápido quanto a liberdade havia de lhes permitir. Em seguida, os membros da erudição começam a se deslocar em filas da forma mais organizada possível. Tento não tropeçar para não acabar com a dignidade que me restara no primeiro dia.

  Todos andam taciturnos e com uma certa descrição, trazendo uma inquietude ao momento.

  Alguns membros mais velhos da facção nos conduzem a um ônibus elétrico. A primeira vez que andei em tal meio de transporte foi em uma viagem que fiz para São Paulo, quando tinha 12 anos, não os apreciava muito, já que não via sentido na forma como funcionavam. Na parte superior havia um cabo que se conectava a um fio de tensão, que conduzia a eletricidade necessária para fazê-lo movimentar, mas não era interligado de forma satisfatória, em que depois de pouco tempo de deslocamento o motorista tinha que para-lo para que a antena escaplada voltar para o fio. Porém transportes elétricos se popularizaram após uma crise petrolinica no Brasil e, com o tempo foram aperfeiçoando. Esse em questão funcionava como deveria. Os postos de abastecimentos que um dia venderam combustível poluente, atualmente vendem voltagem de energia.

Todos entram no ônibus e logo vejo Valter sentado na quinta fileira do lado esquerdo na poltrona da janela. Sento ao seu lado e percebo sua tensão

- Eu li uma vez em um livro que os lugares mais prováveis de morrer após um acidente de ônibus são os da janela do lado esquerdo. A melhor escolha seriam os da extremidade direita, já que eles ficam mais distantes do fluxo contrário do trânsito. Além disso, as primeiras duas filas de assentos devem ser evitadas, porque nesses casos é comum que destroços e objetos entrem pelo para-brisa e atinjam as pessoas que estão ali, assim como os demais ao lado de janelas e portas. Os lugares na traseira do ônibus também são bem perigosos, em caso de colisão traseira- digo tirando-o de seus pensamentos

Conheço ele desde o 6 ano e, no início, me parecera que vivia em um outro mundo, como se visse tudo de uma arquibancada e se privasse de participar. Por mais que tenha ficado mais sociável, ainda o pego pensativo, com uma expressão indecifrável.

- Nossa! Me ajudou muito! Considere-me muito bem informado.- diz Valter rindo

- Desculpa, só estou meio nervosa.- digo sentando na poltrona ao seu lado-Você acha que escolheu bem?

- Na verdade não, sinto que vou me arrepender mais rápido do que pinguei aquele sangue na vasilha.- diz Valter inconformado

- São recipientes de metal.

- Tanto faz, ainda é um bagulho que a gente se automutila para gotejar o sangue.

-Quer me contar o resultado do seu teste?

- Nem da certo, Rafa.

- Qual é, eu sou curiosa!

- E você?

- Eu o que?

-Acha que escolheu certo?

- Você está mudando de assunto.

- Sim ou Não?

- Acho que era pra ser, sei lá

- Boto fé que vai dar certo

- Espero- digo esperançosamente

Nós cessamos a comunicação olhando para fora. Me fixo em qualquer ponto da cidade, qualquer pedaço de cimento familiar, mas não encontro nada. Faziam tantos anos que ficava naquela rotina enfadonha, que não reconhecia mais a cidade que morava. Na minha infância, me sentia revigorada todas as vezes que meu pai me levava para conhecer as indústrias que  fiscalizava, pois, assim, poderia acompanhar a cidade que rapidamente se tornaria um grande cerrado ao decorrer do caminho. Adorava visualizar as vegetações goianas e, principalmente compartilhar com ele o que estava vendo. Animais, queimadas naturais, solos avermelhados arenosos. Cada vez mais ele me explicava sobre as belezas do nosso Estado e, nos juntávamos toda semana no meu quarto para discutir algumas curiosidades. Depois de um tempo, ele demorou cada vez mais para aparecer, 1 vez a cada 2 semanas, depois 1 vez no mês, até que não apareceu mais. Naquela época não sabia o motivo, mas meu pai teve que  arrumar um segundo emprego, por causa da crise.

DIVERGENTEOnde histórias criam vida. Descubra agora