Monarca

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Aproveitei o início de feriado para trabalhar até mais tarde e colocar as papeladas do consultório em ordem. A noite está quente, apesar do vento. Desço as escadas da estação Conceição, no qual espero o metrô. Há poucas pessoas na plataforma. Entro no vagão parcialmente vazio, o que é atípico para aquele horário. Sento, respiro o ar gelado e denso do ar-condicionado. Sinto o vagão se mover nos trilhos que atravessam a cidade pelo subsolo. Desço na estação Japão-Liberdade.  

Há pequenos grupos de pessoas fumando e conversando na plataforma, mas elas não entram no trem. Subo as escadas empombadas de jovens e saio na rua principal dominada por uma multidão animada que lembra um formigueiro de pessoas fantasiadas, bobas e bêbadas. Ignoro aquela alegria exagerada, ando algumas quadras e alcanço a rua de minha casa. Esqueci de falar, é carnaval. 

Outra coisa que esqueci de comentar: Odeio carnaval com todas as forças existentes que o meu pequeno corpo tem. Apesar do caos, minha caminhada é como de todos os dias, lenta, com passos que vão diminuindo ao me aproximar da portaria do prédio. 

Chegar em casa sempre é um momento difícil. Terei que lidar com a solidão, a qual, não aprendi até hoje a enfrentar. A contradição começa nesse ponto, me sufoco na multidão e também na solidão, não achei um meio termo nessa questão.

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Quando criança, após a morte da minha mãe fui morar com minha "vovó". Uma mulher desprezível. Se você teve uma avó amável, que cozinhava comidas deliciosas e te levava ao parque. Parabéns! Você é privilegiado sim, mesmo que nunca tenha dado importância para esses pequenos gestos de afeto rotineiros. 

A minha "vovó" foi "obrigada" a me acolher após um acontecimento que deixaria qualquer mãe desorientada, a morte da única filha dela - no caso, minha mãe. Porém, "vovó" adorava culpar a própria filha pela morte trágica. Mesmo morta, mamãe não teve paz. Precisei ouvir várias vezes: "se SUA MÃE tivesse sido obediente e paciente com seu pai..."

Inferno de velha Filha da Puta! Não entendo porque lembro dela, mesmo não querendo lembrar.

*

Na rua de casa tem poucas pessoas, algumas procurando um lugar para "namorar", outras procurando um espaço escuro para fazer suas necessidades biológicas. Devido a movimentação incomum, não percebo quando uma figura alta e magra se aproximar. Paro no portão do prédio e antes que eu pegue meu cartão de entrada, ouço uma voz masculina e familiar falar:

- Monarca?

Viro-me em câmera lenta. Apenas uma pessoa me chama assim. Antes de vê-lo, meu corpo reage e começa a tremer. Foi ele que me deu esse apelido na infância. Aquele homem. O assassino da minha mãe. Meu "Pai".

O Voo da MonarcaOnde histórias criam vida. Descubra agora