Pagando a conta

8 5 0
                                    

Ouço meu celular tocando no meio do sonho. A última vez que ele tocou de madrugada Seu Zé tinha morrido. Acordo assustada e ao atender escuto a voz calma e fria de Juninho:

- Estou na delegacia.

Um pensamento terrível passa na minha cabeça e meu estômago se revira.

- O que você fez?

- Resolvi aquele problema. Preciso de um advogado. Estou na delegacia perto da minha casa.

Ele desliga e o silêncio do quarto é quebrado com o som de uma buzina que me assusta ainda mais. Não sei o que sentir: alívio ou preocupação? O que aconteceu de fato? Levanto e ligo para Doutora Adriana. Ela aparenta alívio quando percebe que não sou eu que estou presa. 

- Encontro com você lá.

Antes de ir para a delegacia, passo perto da rua daquele homem. Paro o carro na esquina, a rua esta interditada, há uma grande movimentação da população, da polícia e do IML. Desço e entro no meio da multidão, paro na faixa que a polícia colocou e vejo dois corpos sendo retirados da casa, sinto um arrepio. O que aquele moleque fez?

Tenho acesso há um ambiente paralelo a sala em que Juninho está, há um vidro entre nós, consigo vê-lo, mas ele não sabe que estou ali. O perito tira amostras de sujeira da mão de Juninho, ele afirma que não precisa, pois foi ele que matou, mas o perito explica que é o procedimento padrão.  O delegado para ao meu lado, Juninho tem a voz calma e um olhar firme. O observo com o coração apertado.

- Você é a Alana Ferraz?

- Sim. O que houve?

- Melhor você sentar, precisamos conversar sobre a situação dos seus irmãos.

Sento lentamente, estou tonta e desorientada. Juninho me ligou dois dias antes para marcar um dia para levar o nosso irmão ao consultório. Eu iria pegá-los depois da escola na próxima semana. Já tinha pensando num dia diferente com almoço no shopping, passear em algumas lojas para eles comprarem roupas e sapatos e depois, no fim da tarde, iriamos cuidar dos dentes de ambos. Juninho me contou que eles nunca tinham ido ao dentista. Eu entendia, fui pela primeira vez depois dos 15 anos.

*

O delegado começa a contar a versão resumida da história. Doutora Adriana chega e acompanha o enredo. Apesar de estar se recuperando, aquele homem atacava Roberta diariamente, tanto que ela ficou com a testa machucada depois que foi atingida por um celular. 

Juninho comentou com ela várias vezes sobre o nosso encontro e depois da insistência do filho, Roberta pegou o celular do rapaz emprestado e ensaiou me ligar, o seu tinha sido destruído em uma das brigas. Enquanto ela tomava coragem de pedir ajuda, as semanas foram se passando e com o tempo a coragem desapareceu. Aquele homem se recuperou e Roberta se limitou ao seu mundo novamente.

Após uma madrugada de brigas e um surra que quase a matou, ela decidiu me ligar. Aquele homem tinha saído e Juninho dormia após passar a noite na rua. O caçula brincava no quintal. Tudo aconteceu rápido. Aquele homem chegou quando ela estava com o celular na mão, ele pegou o aparelho e viu o meu nome no visor que Juninho registrou como "Alana irmã". Começou uma luta, o celular voou longe e Roberta caiu. Estavam na cozinha, ele pegou uma faca e a esfaqueou várias vezes nas costas. 

Aquele homem deixou Roberta agonizando na cozinha e começou a procurar o filho caçula, ele sabia que o menino estava em casa, já Juninho, na sua cabeça, estava na mercearia onde o jovem tinha um trabalho de meio período.

Juninho pensa que é um sonho, mas os gritos da sua mãe são reais. O garoto levanta e encontra Roberta agonizando no chão da cozinha, ele olha pela janela e vê o pai caminhando em direção a casa do cachorro. Aquele homem puxa algo e logo Juninho percebe que é a perna do seu irmão. O garotinho que se escondeu na casinha do cachorro quando ouviu os gritos da mãe, agora grita desesperado por ajuda.

Juninho que vê a mãe agonizar toma uma decisão. Corre para o quarto, pega a arma que chefão do tráfico lhe deu alguns dias antes por ter conquistado um cargo importante no grupo criminoso do bairro. O rapaz verifica as balas e segue para o quintal, encontra o irmão se debatendo e tentando escapar dos golpes de faca.

Juninho não tem experiência com a arma e erra o primeiro tiro, o homem se vira e o olha furioso. O rapaz retribui o olhar. Aquele homem larga o filho caçula e se levanta, tenta alcançar a arma que leva na cintura desde que Alana tentou o matar. Porém, Juninho caminha atirando e acerta aquele homem no tórax. Mesmo assim, ele tem forças para pega a arma e atirar na cabeça do caçula. Juninho sente o ódio subir e descarrega a arma no próprio pai.

Aquele homem cai agonizando e Juninho se aproxima, recarrega a arma e para ter certeza que aquele ser humano desprezível não terá chance de sobreviver, ele aponta a arma em direção a cabeça dele e começa a descarregá-la, desconfigurando o rosto daquele que um dia foi seu pai. No meio da sua fúria, ouve a voz de Pedro, pensa que está alucinando, ele se vira e larga a arma, o tiro pegou de raspam na cabeça do menino que segura a barriga ferida.

Juninho pega o irmão no colo e corre. Ele passa pela mãe, agora morta e encontra um vizinho que invadiu a casa, o homem olha Pedro sangrando no colo de Juninho e os levam para o hospital.  

O Voo da MonarcaOnde histórias criam vida. Descubra agora