Agradecer

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Passei os últimos três meses praticamente morando no hospital. Eu não queria ficar longe da minha mãe. Cada segundo era precioso demais para ser desperdiçado. Com pena de me ver no quarto, dormindo na poltrona quase todas as noites, a administração do hospital até cedeu uma cama para que eu ficasse um pouco mais confortável. Tia Laura e Belinha repetiam meu gesto as vezes, mas devido a rotina das duas, não podiam ficar tanto tempo quanto eu.

Josh passou todo o primeiro mês ao meu lado, me apoiando e ajudando em tudo o que fosse necessário. Mamãe gostava cada vez mais dele e juntas, passamos a lhe dar aulas de português. Era divertido ouvir a forma como o loiro pronunciava as palavras. Nossas estratégias educativas sempre rendiam boas risadas, assim como bons resultados.

Acontece que depois de um tempo, comecei a achar errado manter Josh comigo. Ele também tinha uma família, uma vida pessoal e não podia simplesmente deixar tudo de lado para viver em função da minha, por mais que recebesse por isso. Pensando na situação, pedi a ele que retornasse à Los Angeles.

Flashback on

- Está cansada de mim? É isso? - ele franze as sobrancelhas, me encarando. As mãos estão na cintura.

- Não seja bobo, Josh. Só não quero que deixe sua vida parada enquanto fica aqui, se dedicando a minha. - também o encaro. - Qual foi a última vez que você esteve em contato com alguém da sua família?

- Bom, faz algum tempo. - ele coça o queixo, parecendo pensar.

- Viu só? - cruzo os braços. - Aproveite a oportunidade que estou te dando. Tire férias por um tempo. Não estarei correndo perigo dentro de um quarto de hospital, em todo caso. Logo, não preciso dos seus serviços como guarda costas.

- Mas você precisa de mim como... - me olha, confuso. - O que é que nós somos mesmo?

- Amigos coloridos? - sugiro. Ainda não definimos um rótulo para o "relacionamento" que estamos tendo.

- Isso. - ele sorri. - Eu sei que você precisa de mim como amigo colorido. Talvez você pense que estou aqui só pelo salário que me paga, mas vai muito além disso, Any. Eu gosto de você, da sua família. Gosto de estar com vocês. Quero estar aqui para dar apoio caso seja necessário.

- Eu entendo, Josh. Entendo de verdade e te agradeço muito por isso. - me aproximo dele. - Mas acho mesmo que você deveria ir, nem que seja por um mês ou dois. Tire um tempo para você. Não quero que se sobrecarregue como vem fazendo. Você passa as noites em claro comigo naquele hospital.

- Tudo bem, eu não vou mais discutir sobre isso. Se é o que quer, não posso te contrariar. - ele se afasta, parecendo emburrado.

Flashback off

Mesmo a contragosto, o loiro acabou acatando meu pedido e voltando para os Estados Unidos. Não posso negar que sinto falta de vê-lo todos os dias, dois meses longe dele parecem dois anos, mas ao mesmo tempo sei que o que fiz foi o mais correto no momento. Não era justo monopolizar a vida do Josh assim.

Desde então, tenho ficado quase que inteiramente na companhia da minha mãe. Como ela não pode fazer qualquer tipo de esforço, nossos passatempos são os mais leves possíveis. Uma vez por semana recebemos a equipe do meu estúdio de beleza favorito em São Paulo. Todas as terças eles nos mandam uma manicure, um cabeleireiro, uma designer de sobrancelhas e um maquiador, tudo para que mamãe possa manter sua autoestima elevada.

Tive a ideia quando a ouvi reclamando de que tanto tempo numa cama de hospital estava a deixando menos atraente e eu não podia permitir que ela se sentisse assim. Caso o novo coração não aparecesse, eu queria garantir que a pessoa mais importante pra mim tivesse os melhores últimos momentos de todos os tempos.

- Eu não mereço uma filha como você. - ela diz, de repente. Estamos assistindo a novela das 9, da qual mamãe não perde um capítulo sequer.

- Que história é essa, dona Priscila? - apoio o cotovelo sobre o meu travesseiro e em seguida, a cabeça em minha mão. Me deito de lado para observar a mulher na cama ao lado.

- Eu não mereço uma filha como você. - ela repete. - Olhe tudo o que você tem feito por mim, Any! Olhe tudo o que você deixou de lado só para ficar aqui comigo.

- Outra vez essa história, mamãe? - digo em tom reprovador.

Odeio quando ela começa com esse papo, como se não fosse digna de nada do que faço. Ela é mais que digna. Se eu pudesse, faria muito mais, inclusive trocaria nossos lugares.

- Sim, outra vez essa história. Mas não precisa ficar brava, não estou reclamando. - ela se ajeita na cama e me olha, sorrindo. - Dessa vez eu só quero agradecer.

- Você não tem que me agradecer por nada. Tudo o que faço é por te amar, por querer te ver bem. - estendo minha mão pra ela e assim, enlaçamos nossos dados.

- Você sempre foi assim, sabia? Desde pequena, sempre cuidadosa comigo. A Isabelli também é às vezes, mas não tanto quanto você. - deu risada. - Me lembro das vezes em que deixou de ir a escola pra cuidar de mim, porque eu estava resfriada. Acho que no fundo, você sempre foi mais mãe para mim do que eu fui para você.

- Nada disso! - balanço a cabeça numa negativa. - Você sempre se desdobrou para cuidar de mim e da Belinha. Nunca dependeu do meu pai para absolutamente nada e eu me orgulho muito por isso. Se alguém tem que agradecer por algo aqui, dona Priscila, esse alguém sou eu. - aperto um pouco mais sua mão na minha. - Eu amo você, mamãe! Mais que tudo!

- Também amo você, meu bem! Mais que tudo! - ela também sorri, mesmo deixando escapar uma lágrima solitária. - Divide a maca comigo essa noite?

- Mas é claro! - me levanto num pulo, rindo, e vou para a cama da minha mãe. Nos abraçamos e ficamos assim para terminarmos o capítulo da novela.

Acordo com o barulho do bip do celular. Olho o visor apenas para confirmar que são 02:00 da madrugada, hora de um dos remédios que mamãe precisa tomar. Antes, uma enfermeira costumava trazer, mas desde que passei a ficar com ela, fiquei com essa função. Me levanto da cama, indo até a mesinha perto da poltrona para pegar o comprimido. Também sirvo um copo d'água para acompanhar.

- Mamãe, acorde! - toco seu braço delicadamente para que ela não se assuste. - Está na hora do seu remédio. Mamãe!

Ela nem se mexe, o que me preocupa, já que seu sono é muito leve. Normalmente, ela acorda no meu primeiro toque. Sentindo o medo me invadir, deixo a pílula e o copo d'água sobre a mesinha e volto até minha mãe. Começo a sacudí-la com um pouco mais de força. Mais uma vez não obtenho resposta alguma. Não! Não pode ser!

Your Love Saved Me • BeauanyOnde histórias criam vida. Descubra agora