1- Realidade

27 6 5
                                    


       Ela ria alto. Sua risada era feia e estridente. Fazia bastante tempo que eu não a via rir daquele jeito, como se ainda fosse uma adolescente em uma festa à noite. Ou quem sabe, como quem acaba de pular de parapente. Seu cabelo estava amarrado no topo da cabeça, ela vestia uma camisa enorme, que cabia quase seu corpo todo. Meias pretas de corações vermelhos até o joelho. Eu a girei mais uma vez, enquanto jogava sua cabeça para trás, rindo de felicidade. Não tão feliz como quando ela recebeu uma caixa de trufas, que aliás, ela não dividiu nem sequer uma comigo. Para não me dar, ela enfiou trufa atrás de trufa na boca, revirando os olhos. Isso me assustou um pouquinho.

          Sua cara quando eu cheguei com um bolo, foi de surpresa e alegria. Ela parecia leve, como quem pisa em plumas. Ela se atrapalhou um pouco com os pés e me pisou forte com seu peso inchado. Afinal, Amanda parecia mais inchada a cada dia, correndo o risco de explodir a qualquer momento.

           - Você é um péssimo dançarino! - Ela disse, rindo próxima do meu ouvido.

           - Fala a garota que ganhou três pontos depois de tropeçar no próprio pé na sala de aula! - Brinquei, afim de roubar mais sorrisos dela.

           - Tá legal, eu não devia ter te contado isso! - Ela esboçou um pequeno sorriso que não foi suficiente para mim.

           - Também não devia curtir essas sofrências. - A olhei de canto de olho, a girando mais um vez, recebendo um tapa quando ela parou no lugar.

           Sua mão fina não chegou a doer e eu não me conformaria ainda.

           - Nossa, essa história de "comendo por dois", não está funcionando com você. - Falei, analisando seus braços. - Eu nem senti sua mão. Você tem que se alimentar melhor!

           - Acho melhor você correr bem rápido. - Ela me olhou com aquele seu olhar de ninja assassino, bem à tempo de que eu me desvencilhasse do seu corpo para me esconder.

           Achei um cantinho perto dos sofás e me encolhi, mas ela não era lerda e nem um pouco misericordiosa. Acertou o topo da minha cabeça com um cascudo cruel que esfreguei freneticamente com os dedos para parar de doer, o que não ajudou em nada.

            - Nunca mexa com uma mulher grávida! - Ela disse com as mãos na cintura, como uma mãe que repreende seu filho mal comportado.

            Por um momento, vi a magia da dança e das brincadeiras fugir do seu olhar, sendo substituída por algo triste. Amanda sentou-se calmamente no sofá e olhou para baixo com as faces rosadas. Em momentos como aquele, eu costumava me aproximar dela, pois quase sempre quando ela ficava triste, a tristeza vinha acompanhada de um choro interminável. E eu apenas assistia sem saber o que fazer. Eu era um mero espectador de um espetáculo na vida real.

         - Grávida... Como isso foi acontecer..? Eu tinha tudo planejado, toda a minha vida. Eu tinha sonhos, queria fazer faculdade de administração, queria poder terminar. Não sei o que fazer com isso. Minha mãe me abandonou e me odeia. - Ela encolheu as pernas, as abraçando, se transformando em um bolinho de cinza com preto e corações vermelhos.

          Levantei e sentei ao seu lado, jogando meu braço sobre seu ombro. A puxei para mais perto de mim e sua cabeça pousou no meu ombro.

           - Nós somos amigos, Amanda. Eu não vou abandonar você com essa coisa que está aí dentro de você. - Apontei sua barriga preponderante, que na minha cabeça a qualquer momento podia se abrir como uma casca de ovo e revelar um mini ser humano.

            Ela sorriu, balançando a cabeça para os lados. Essa história de gravidez mexe mesmo com os neorônios de uma mulher.

Coração De Papel - Livro IIOnde histórias criam vida. Descubra agora