3- Apenas Amigos

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       - Então, acho que varreram muito meu pé! - Ela ria alto. Se tornava mais leve para ela suportar sua realidade assim, quando sorria e fazia piadas da própria sorte. - É a única explicação!

       Eu a acompanhei na risada. Nós estávamos dividindo um balde de pipoca excessivamente salgada. Segundo Amanda, "de ensoça, bastava a vida". Além do fato de que desde que ela engravidou, vivia em exageros, tanto hormonais, quanto cozinhais. Quando fazia algum doce, era terrivelmente doce de verdade; quando se arriscava nos salgados, caprichava de igual modo no sal iodado. Ultimamente, ela andava dizendo que se tornaria vegana um dia, quando estivesse bem velhinha e como muito provavelmente não teria marido (já que sua sorte não lhe proporcionará isso), a única pessoa que teria que tolerar sua veganice, seria seu filho ou filha.

         - Ah, fica tranquila, casar não é meu sonho, te faço companhia, mas vou te obrigar a fazer um churrasco pra mim! - Falei, enchendo a mão de pipoca e enfiando na boca, esquecendo totalmente do punhado de sal. Levantei para ir pegar água.

         - Tem suco na geladeira, já está adoçado! - Ela falou, da sala.

          "Que maravilha. Qual seria o melhor método para combater o sal? Além de um copo de suco com gosto de mel?" Sorri um pouco quando encontrei a jarra de vidro com suco de laranja. Que combinação interessante...

           Me joguei no sofá e ela apertou o play do botão. Assistíamos a um filme de comédia romântica, apenas porque nós proporcionava belas risadas e porque já sabíamos como acabaria. Quem não sabe como se termina uma comédia romântica? Um clichê tão comum e nada surpreendente, exceto as piadas mal-feitas dos americanos. 

           - Sério, Mathias! Esse povo americano tem que conhecer a vida de um brasileiro pra ver o que é azar na vida e no amor! Somos tão azarados, que conseguimos ultrapassar e ferrar até a vida profissional também! - Ela ria, mais de si mesma e do que acabava de falar, do que do filme. 

            Amanda andava me ensinando muitas coisas, como por exemplo, que a gravidez pode provocar um humor bastante ácido e um instinto psicopata assustador. Eu não confiava mais na Amanda com uma faca na mão desde que ela ganhou peso. 

          Passou-se uma hora de filme, eu já estava tão desligado, que nem sabia ao certo do que estava rindo. Eu só olhava para o rosto da minha amiga e me punha a rir. Tinha uma graça no jeito que ela fazia caretas quando estava feliz, tinha uma graça no jeito que ela comia pipoca como uma criança gulosa, havia uma espécie de brilho quando ela sorria. Algo em mim se acalmava com aquelas suas risadas feias. Uma certa paz. Um certo alívio. Vê-la bem, me fazia feliz. Talvez fosse a familiaridade de sempre estar ao seu lado nos últimos meses que se passaram. Devia ser isso.

         - Porque você está olhando pra minha cara oleosa? - Amanda disse, curiosa, com a boca cheia.

         Sorri um pouco, balançando a cabeça, como quem diz "não foi nada, só achei que tinha um cisco na sua cara" e voltei a olhar para a tela. Amanda engoliu o que tinha na boca, olhou para a tela e se aconchegou em mim.

        -. Eu faço um trato com você. Se fizer cafuné em mim, eu te deixo comer pipoca. - Ela disse, mas afinal, era uma proposta irrecusável. Eu nem queria a pipoca, só queria continuar a vendo sorrir e se sentir calma. Amanda me olhou sorrindo, parecendo uma criancinha que pintou o sete quando os pais saíram de casa. Ela devia ter sido muito sapeca quando criança, pois possuía esse ar de quem nunca soube ver nada no seu canto. A teimosia sempre implícita em cada ato seu. 

         - Trato feito, mas não vale dormir! Sua preguiçosa! Sempre me deixa assistindo sozinho! - Avisei, afagando sua cabeça com meus dedos leves. 

Coração De Papel - Livro IIOnde histórias criam vida. Descubra agora