5- Por um momento, seu

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        Gabriel estava sentado sobre uma cadeira, em sua casa, tomando café. Eu estava com as mãos nos bolsos, o observando com atenção. Quase sempre ele parecia um estranho, como se não fóssemos mais amigos. Ele parecia mais fechado, mais pensativo e cauteloso. Eu não me lembrava dele assim. A idade e o tempo estavam nos afastando aos poucos. E essa distância ficava cada vez mais nítida quando nos reencontrávamos.

        - Mas, o que aconteceu? Quer dizer, ninguém despede um funcionário do nada. - Ele disse, com pouco interesse.

        - Nada demais. Eu já havia saído de um dos empregos... - Eu não queria falar sobre aquilo. 

        Era minha folga, sábado. Eu meio que tinha mentido sobre ter que resolver coisas de família. Era uma meia mentira, uma meia verdade. Não era nada grave, um Yin yang de verdades e mentiras. Nada pior que uma mentira para contar um fato oculto. Fato era que eu queria contar para o Gabriel sobre tudo. Queria lhe dizer o que havia feito e que estava arrependido, que não foi planejado, que foi algo do momento, que tinha muito álcool no meu sangue e eu havia usado uma daquelas minhas drogas que ele sabia que eu usava sempre, quase todos os dias. Cocei minha perna, no exato lugar onde ela ela estava, queria sair dali, usar uma e contar toda a verdade.

          Alguém, ainda vestido de camisola passou por mim, direto. Foi até o Gabriel e lhe deu um beijo na boca, rapidamente. Aline. Quando ergueu seu corpo amassado pelos lençóis e a cara lavada, me viu. Percebi que ela congelou por dentro.

          - M-Mathias..? Você está aqui?! - Nem ela sabia se estava irritada ou assustada com a minha presença. 

          Gabriel a olhou, com as sobrancelhas juntas, uma linha reta de incompreensão. Revirou os olhos e bebericou seu café.

           - Eu sei que não temos nos visto muito, Aline. Mas, não precisa exagerar. Sempre foi bem normal o Mathias vir aqui, somos melhores amigos. - Ele me olhou brevemente.

           Eu não conseguia desviar meus olhos dos da Aline. O nervosismo corria à solta em minhas veias. Eu havia esquecido que a verdade não afetaria apenas a mim, me perdoar seria tão mais fácil do que a Aline. TALVEZ. 

           - Eu preciso fumar. - Disse, me afastando.

           - Você pelo menos já tomou café hoje? Você tem que parar com isso, sabe que essa droga pode te matar ou deixar totalmente maluco. Sabe, Mathias, não quero ter que ir visitar você em um hospício. - Me virei para vê-lo enquanto falava.

           - Gabriel, eu tenho controle sobre isso. Uso porque quero, não porque me sinto incompleto. - Falei, afirmando. Mas, eu nem tinha certeza do que dizia. Não havia como ter, eu fumava e usava aquela droga sempre, sem intervalos longos. Então, como eu tinha certeza que não estava viciado nela? Eu só queria que fosse verdade a MINHA verdade. 

          - Você está se destruindo. Está se matando aos poucos e todos nós estamos assistindo você fazer isso. - Ele disse e por um único momento, ele me fez achar que ainda era o meu amigo que tantas vezes foi meu irmão mais velho. Irmão mais velho. 

          Irmão mais velho.

          Irmão mais velho.

          Eu já fui o irmão mais velho de alguém. Não fui? Não é verdade? Já fui. E por pura covardia, me recusava a lembrar disso. Fechei meu punho com força, tentando suprimir aquilo tudo que voltava. Nem mesmo o Gabriel sabia disso. Ninguém sabia. Não saberiam nunca. Era uma lembrança antiga que as vezes, parecia ter sido um pesadelo, bem como... Bem, como... Ela. Eliane.

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⏰ Última atualização: Feb 22, 2020 ⏰

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