2- Fulga

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       Ela me convidou para entrar, para acompanhá-la, porém me empoleirei sobre uma cadeira de espera do lado de fora e Amanda optou por não perguntar novamente. Seu jeito extremamente adulto de quase sempre era bom, dessa forma ela não se punha a discutir comigo toda vez que eu lhe negasse algo. O que não era comum. Quando ela descobriu que estava grávida e eu soube, nossas vidas mudaram. Eu disse que estaria sempre ao seu lado. Infelizmente, o "sempre" tem fendas. Um "infinito" também pode possuir falhas e uma fração de segundo. São coisas que mesmo inaceitáveis, nós aprendemos a aceitar.

         Mas, eu devia ter entrado com ela, para lhe fazer companhia, ou... Para ser seu amigo. No entanto, aquilo parecia demais para mim. Eu sorria como um menino quando ela andava de pijama pela própria casa e sua barriga se pronunciava em tudo quanto fazia, era engraçado como ela parecia com um palhaço desgrenhado as vezes, com certeza eu lhe omitia esse fato.

         Continuar esperando do lado de fora estava ficando sufocante e eu não parava de me remexer sobre a cadeira e estralar os dedos. Ajeitei o boné na cabeça, enfiei as mãos nos bolsos e andei, indo para fora do hospital. Mulheres passeavam de um lado e do outro, algumas com filhos, outras grávidas... Mas, havia uma choradeira infindável pelos corredores, algo que estava me deixando maluco. Odeio esse barulho. Minha mente tranquila num passe de gritos, já estava totalmente bagunçada e desequilibrada. Meus passos calmos, ficaram mais rápidos, mais largos. Eu só queria fugir dali, daquele ambiente desagradável repleto de mães de todas as idades, daquele cheiro de côco, urina e leite materno misturados.

         Algumas enfermeiras me olhavam de olhos tortos, algo que não chegava a realmente me incomodar, eu sorria e as cumprimentava com um aceno. Seguia com meu andar dançante para o lado de fora, tentando tranquilizar minha mente perturbada pelo hospital barulhento.

         "Exames de grávidas". Eu não gostaria de ser uma mulher. Quando finalmente cheguei do lado de fora, pude raciocinar com calma. Na verdade, o silêncio não é bom, ele deixa minha mente barulhenta.

          Remexi no meu bolso, ela estava lá, quieta, embrulhada, pedindo que eu a colocasse na boca. "Não agora". Me contentei com um cigarro, o acendi e pus na boca, segurando com dois dedos. 

         O que eu estava fazendo ali, mesmo? Aquele não era nem um pouco o lugar que eu gostaria de estar. Eu poderia ir embora, deixar Amanda para trás. Ela entederia, ficaria brava, mas entederia. Ou talvez não. Não posso fazer isso com ela, não posso deixá-la sozinha nesse hospital. Ela é minha amiga. Ela só tem a mim agora. 

        No entanto, tomar conta dela, estava me custando bem mais do que pensei. Mais trabalhos do que eu conseguia dar conta. Eu mal ia trabalhar pela noite. Sendo honesto, ser um completo responsável, é... Difícil. Porque três empregos? Eu só precisava de um. E mesmo que eu ficasse sem nenhum dos três, eu ainda teria minha conta, onde eu depositava quantias mensais. Porém, eu não queria mexer nela. 

        Fazia mais ou menos uma semana que eu não ia para o restaurante, talvez eles já tivessem me dispensado sem que eu saiba. E tanto faz, não ligo para isso.

        "Você é um inútil desprezível, nem sei como é meu filho" meu pai dizia. Deixei cair o cigarro e o assisti atingir o chão sem fazer barulho. É isso que eu sou, um inútil. Talvez eu nunca conquiste nada na vida, talvez eu nunca saiba a razão de estar vivo nesse mundo.

        Respirei fundo. Enfiei as mãos nos bolsos. Pisei no cigarro no chão para apagá-lo. "Aquilo" não saía da minha mente. "Aquele" dia" inesquecível. "Aquela hora" inevitável. E parecia que quanto mais eu tentava expulsar aquelas lembranças, mais elas voltavam. Como uma coceira na palma da mão que não passa e que quanto mais você coça, mais o incômodo aumenta. E essa "coceira" fictícia, me arrebatava de volta a um lugar que eu só queria que nunca tivesse sido construído. Não podia deixar de me sentir culpado. Culpa. Talvez esse fosse o nome da coceira. Culpa. Era o sentimento que me arrebatava. "Eliane", era o nome proibido. Minha cabeça chegava a pesar quando pronunciava mentalmente seu nome.

Coração De Papel - Livro IIOnde histórias criam vida. Descubra agora