p r ó l o g o

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O carro preto estava parado no meio da estrada deserta que levava até Paradise, a cidade mais próxima dali, a 90 km de distância. Não parecia haver uma alma viva naquele cenário fantasmagórico no meio do deserto que é aquela parte da Califórnia, a não ser, as de Summer e Helena. O céu parecia estar mais negro do que nunca naquela noite, sem estrelas para dedurar o que aconteceu ali, era como se todo o cosmos conspirace a favor delas.

 Helena não teve coragem de olhar para o rosto de Summer, que partilhava do mesmo medo. Ficou imóvel dentro do carro, olhando para a estrada que parecia infinita a frente dela, perdida em si mesma sem acreditar que aquilo realmente estava acontecendo. O mundo à sua volta parecia estar girando e se comprimindo em um silêncio ensurdecedor, seus pensamentos pareciam sair de sua mente e ecoar pelo deserto: de novo não.

 Sentiu de longe, como se tivessem mil camadas de veludo cobrindo o seu corpo e impedindo de algo tocar a sua pele, alguém segurou o seu braço e balançou, tentando chamar a sua atenção, mas o mundo à sua volta estava calado, em uma atmosfera diferente, como se ela tivesse morrido mas ainda não tinha se dado conta. Conseguiu mover a cabeça para o lado, finalmente, e encarou o rosto aflito da amiga dizendo palavras incompreensíveis que não conseguiam ultrapassar a barreira de silêncio ao seu redor. Se apoiou na porta do carro em um ato instintivo, dando tudo de si para conseguir abrir, mas antes que se desse conta, a porta já estava aberta e ela estava caída na rua da rodovia deserta com pedregulhos lhe arranhando o rosto.

Apoiou as mãos no chão, com dificuldade para tentar se levantar e assim que conseguiu, viu a imagem turva da amiga chegar perto, ainda soando incompreensível.

Olhou ao redor tentando a todo custo voltar para a realidade mas parecia impossível. Agora tudo era veludo e o mundo estava mudo. Conseguia ver as montanhas da Califórnia distante dela, ela queria ir até lá, para poder ver o sol nascer de cima das tão preciosas montanhas da Califórnia.

Sentiu algo gelado escorrer pelo seu rosto, parecia distante por conta da camada de penumbra que parecia cobrir sua pele. Não conseguia sentir nada. Aos poucos o líquido parecia mais próximo, mais gelado, molhado e escorregadio, passou a mão no rosto e olhou sua palma, agora pintada de vermelho.

Summer estava na parte de trás do carro, parada com o celular encostado no ouvido. Ao vê-la, Helena tentou se aproximar da amiga mais tropeçou em algo antes que pudesse dar mais um passo e olhou para baixo, vendo então a figura de cabelo curto e enrolado, toda de branco, caída de bruços com a tinta de um vermelho vivo escorrendo de dentro do corpo e pintando também o asfalto. Pensou, por um momento, que tinha atropelado um anjo, mas logo em seguida seu rosto se modificou em uma expressão assustada - tinha matado um anjo! - Olhou com desamparo para à amiga a alguns metros de distância, iluminada apenas pela luz emitida do carro que não tinha sido em momento algum desligado, de costas para a cena, com sua mochila branca manchada de sangue nas costas, fitando alguma coisa na escuridão da estrada.

Helena andou até ela parando ao seu lado e observando a linha que separava a estrada da completa escuridão que surgia quando a luz não era o suficiente para iluminar o resto do asfalto. Qualquer coisa podia estar escondida ali, mas Helena só tinha medo de si mesma naquele momento.

 — O que vamos fazer agora? — A pergunta em um sussurro rouco surgiu de dentro dos lábios de Helena, ainda fitando a escuridão à sua frente.

— Não tenho idéia.

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