Outono

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O perfume das flores já não corria no ar e já havíamos colhido o primeiro fruto delas. Agora nos restava o recolhimento sóbrio de um Outono, uma época onde deixávamos de lado a vitalidade das estações anteriores, nos preservando, não tanto por nós, mas para que sobrevivêssemos enquanto grupo.

Joonhee tinha a sua curiosidade pelo mundo ao redor e o meu apetite pela vida. Seu rostinho ainda bochechudo guardava uma combinação perfeita dos nossos narizes e era isso que nós dois mais gostávamos em nosso filho. Nosso menino tinha seus olhos e os mesmos furinhos nas bochechas que você. Ele tinha cabelos como os meus e minha boca, sempre gulosa para uma criaturinha tão pequena.

Ele era um menino forte e suas perninhas e bracinhos compridos apontavam para uma forte tendência que ele fosse alto como você. Uma criança que nasceu grande e quase me sugou a vida pelos peitos. O apetite do menino era incrível. Amamentá-lo poderia ter se tornado meu único exaustivo trabalho durante os primeiros meses, mas você e as pessoas ao meu redor tiraram um fardo enorme de mim. Tive o privilégio de ter uma rede de apoio em quem eu confiava plenamente, que sempre se oferecia para nos ajudar e foi por isso que eu quis estar perto da minha família quando o bebê nascesse. Sua irmã também passou férias prolongadas por aqui e isso nos ajudava e nos distraía da rotina cansativa de cuidar de um recém-nascido que precisa se alimentar o dia todo.

Tínhamos muita gente ao redor nos apoiando, mas no fim do dia, éramos eu e você cuidando do nosso filho. Eu não tive um bom exemplo de pai, que já era ausente mesmo antes de nos deixar, então eu temia secretamente que em algum momento os relatos da minha mãe se repetiriam comigo. Eu confiava que eu não repetiria a história dela. Eu via amor demais nos seus olhos e você nunca me decepcionou. Tive tanta sorte. Não houve nenhuma noite em que eu tenha me levantado para tirar um Joonhee choroso do berço, pois você sempre o trazia para mamar. Você o fazia dormir e me deixava descansar o quanto podia, embora o apetite daquela coisinha que nós amávamos tanto se mostrasse infinito.

O sono era escasso para nós dois e as renúncias vieram de ambos os lados, mas você insistia em sacrificar aqueles seus outros seis meses de trabalho. Você tinha todas as justificativas para me deixar dormir mais do que você "Eu tenho muita música pronta, não preciso produzir coisas novas o tempo todo." "Posso ficar menos tempo no estúdio, trabalhando nas letras aqui em casa." "Ainda ganho muitos royalties." "Você precisa dormir bem para escrever sua pesquisa durante o dia, acho que não tem mais nada a ser feito para estender seu prazo na universidade."

Nunca contestei esse seu desejo sincero de compensar de algum modo por eu ter engravidado e quase perder minha carreira, que eu tanto amava, com isso. E eu sorria toda vez que você me beijava na testa e encerrava aqueles nossos empasses definitivamente, indo mais uma vez cuidar de Joonhee para que eu dormisse ou escrevesse. De fato, eu tinha um prazo para entregar uma dissertação e um bebê para amamentar que me tomava grande parte do tempo em que poderia estar escrevendo, enquanto você poderia fazer o que bem entendesse da sua carreira, embora não fosse recomendado que ficasse afastado da mídia por tanto tempo. Embora muita gente tenha achado escandaloso nosso relacionamento e aquela gravidez não planejada, agora essa não era mais uma questão pra nós, o assunto também já não tinha mais tanta relevância para os outros, e o seu talento prevaleceu. As pessoas queriam novamente suas músicas, suas letras, sua imagem. Mas nós é que precisávamos mais de você, e você nos escolheu. Aquele grande gesto de amor, tão lindo e despretensioso generosamente me permitiu que eu começasse, naquela época, a me tornar quem hoje sou: Uma doutora em arquitetura, professora universitária, bem realizada, e não só a mãe do filho de Kim Namjoon.

Não foi fácil. Meu texto final mal nascera e já fora batizado com minhas lágrimas de alívio. Ele se nutrira de determinação e ansiedade, um pouco de desespero e da constante sensação de que ele sugava minhas forças, o que não deixava de ser verdade, embora na verdade, era Joonhee quem o fazia com mais intensidade, toda vez que mamava. Eu às vezes me admirava que você ainda pudesse me amar. Afinal, foram seis meses em que vivíamos sob o mesmo teto, convivendo quase que exclusivamente um com o outro, o tempo todo falando sobre cocô ou vômito, cuidando de outras coisas que não nós dois enquanto casal. Eu me preocupava com todos os livros que tinha que ler, e só pensava em arquitetura de templos do leste-asiático. Mas eu não podia deixar de ser alguém de quem meu filho pudesse se orgulhar só para manter o pai dele por perto. Sendo justa, você nunca me cobrou que eu fosse nada além de mãe do seu filho e mestranda em arquitetura durante aquele período de tempo. E eu estava tão ocupada amamentando ou em frente a um computador, digitando ou lendo, que queria compensar por você me proporcionar aquela oportunidade escrevendo a melhor tese de mestrado jamais escrita na história de toda a Coréia do Sul. Não chegou a tanto, mas fui muito elogiada pelo que escrevi, e as pessoas se espantavam que eu havia feito e escrito a maior parte daquela pesquisa grávida ou amamentando. Isso nunca teria sido possível sem você, que foi generoso o suficiente para ter a paciência de passar seis meses pegando no meu peito apenas para passar pomada para que eles não doessem, depois de termos vivido uma relação de três anos puramente baseada em sexo.

Mudaram as estações, nada mudouOnde histórias criam vida. Descubra agora