Inverno

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A neve caía do lado de fora, cobrindo os galhos desfolhados da cerejeira em nosso quintal. Ao lado da árvore havia agora também uma pequena estufa onde estávamos montando uma horta vertical. Chegamos a nos perguntar se devíamos começar a plantar agora, mas depois nós dois entendemos que era preciso cultivar no inverno para ter flores na primavera e frutos no verão. Foi aquilo que aprendemos nas nossas vidas juntos. Entramos em casa às pressas, para fugir do frio daquele dia de inverno. Pela janela, podíamos ver tudo que estávamos cultivando. Do lado de dentro, encarávamos tudo que havíamos cultivado em nossas vidas.

Você havia criado o hábito de beijar meu nariz toda vez que ele ficava vermelho com o frio e eu fui aprendendo com o tempo a segurar seus braços e fazer você me abraçar pra esquentar suas mãos junto com as minhas, dentro dos bolsos do meu casaco. Depois de alguns minutos, suas mãos estavam quentes e você me soltou, alisando minhas costas carinhosamente para que saíssemos do hall de entrada. Sorri, te acompanhando casa vazia adentro.

Quando nos conhecemos, eu costumava ser a pessoa ansiosa para amar demais e você costumava ser a mais carinhosa de nós dois, mas agora eu havia aprendido com você tantas formas de mostrar amor que eu nem imaginaria que seriam válidas. Às vezes eu admirava como era simples o nosso amor. Você amava quando eu fazia o café da manhã e deixava esperando por você na mesa e eu amava ser surpreendido com as flores e plantas que você trazia da floricultura no caminho de volta da sua natação. Aprendi que você gostava de trocar recados carinhosos em bilhetes e que se sentia amada toda vez que eu a poupava de lidar com qualquer questão relacionada à escola das crianças ou à burocracia. A melhor recompensa que eu podia receber por aquilo, que eu fazia com genuína tranquilidade era receber os vários beijos que você espalhava pelo meu rosto em agradecimento. 

Fomos aprendendo melhores maneiras de demonstrar o amor que existia entre nós e eu sabia que o café quente que eu estava trazendo deixaria seu coração aquecido também.

Em vinte anos, aprendemos também a conviver com o que havia de diferente entre nós. Tínhamos muita coisa em comum, desde o início, mas só um milagre explica como duas pessoas que mal se conheciam no dia-a-dia conseguiram viver juntas por anos, depois que descobriram todas as diferenças que também existiam entre elas.

Você ignorava minha desorganização e falta de jeito para lidar com as coisas, e quando via minha ansiedade crescendo, segurava minhas duas mãos com as suas, olhava nos meus olhos e me acalmava. Eu não achava que era justo, eu tinha tão pouco a oferecer de volta, mas me esforçava para pelo menos apoiá-la em tudo que fazia.

Não, você não tem defeitos, e se tem, talvez eu precise de mais vinte anos ao seu lado para descobrir. Talvez só tenha sido difícil para um homem tão apegado a tradições, rituais e hábitos me adaptar a todas as surpresas que você me oferecia sempre. Você desprezava a rotina e a normalidade e eu precisava de um tempo para entender tanta informação constantemente nova, tanto desapego à constância. Eu tinha medo que em algum momento eu fosse ser a rotina da qual você iria se cansar, mas isso nunca aconteceu, então acho que consegui te amar como você merecia e precisava no fim das contas. Suspeito disso porque você ainda está aqui comigo. E eu também fui amado, do mesmo modo, em retribuição. Você entendia que eu precisava do tempo para entender suas novidades também, e assim nenhuma diferença se tornou empecilho para que convivêssemos tão tranquilamente.

Eu ainda achava um milagre que duas pessoas que começaram tendo um relacionamento basicamente baseado em sexo e conversas despretenciosas pudessem depois de tanto tempo ainda se amar tanto, tendo tanto respeito entre elas. Foi maravilhoso que nossos planos e objetivos individuais de vida tenham podido se conciliar para formarmos uma família tão cheia de amor.

Nos sentamos no sofá da casa vazia para tomar o café enquanto ele ainda estava quente. Já me causava dor nas costas sentar com a perna sobre a sua, como costumávamos fazer a tanto tempo, mas ainda era um hábito agradável para manter, porque você nunca deixava de massagear minha coxa. Até você, sempre tão surpreendente, havia criado alguns hábitos e rotinas junto comigo. Talvez agora tivéssemos que criar novos. A casa estava vazia, as crianças estavam tomando seus rumos, éramos só nós dois de novo, como naqueles três primeiros anos antes da chegada de Joonhee.

Mudaram as estações, nada mudouOnde histórias criam vida. Descubra agora