VOCÊ MATOU ALGUÉM E OUTRO CONTOS

SUSSURRO DE ÉVORA

"Ulysses, meu filho." Eu escutava uma voz na minha cabeça. Era uma voz feminina que parecia que alguém estava próximo a mim, mas estava em minha cabeça. "Eu preciso da sua ajuda." A voz continuava falando. Virei na expectativa de ter alguém atrás de mim. A rua estava vazia e não havia ninguém.

— Quem é? — Falei em voz alta. Ninguém respondeu, continuei andando, estava de noite e a única luz que iluminava a rua, era as que haviam nos postes.

"Você precisa me ajudar, é seu dever como meu filho." A voz falou novamente. De repente as luzes da rua se apagaram e eu tomei um susto. Senti uma gota de água cair em minha cabeça, olhei para o céu e sentir uma conexão em meu corpo, como se alguém estivesse perto de mim. Quando voltei a olhar para a rua, vi uma luz no final dela. Fui andando como se aquela luz estivesse puxando a minha alma, como se eu estivesse precisando daquela luz para continuar vivo. Quando me aproximei percebi ser uma mulher, seus cabelos eram brancos, grandes e lisos. Ela se virou, vestia um vestido preto antigo e estava sujo e rasgado, sua aparência era de cansada, seu rosto era marcado pelo tempo.

— Quem é você? — Perguntei — O que faz aqui? — Ela estava parada olhando para mim, uma luz azul fazia voltas nela.

"Eu preciso de seu corpo." Ela falou.

— Meu corpo? — Falei sem entender. Quando pensei em sair dali, a mulher tocou em meu rosto e eu senti minha energia ser sugada, como se eu estivesse prestes a morrer. A luz dela parecia estar entrando em mim, parecia que eu estava a sugando. Sem forças, cair ao chão ajoelhado-me e olhando para o alto e sentia como se meus pulmões estivessem prestes a explodir. Eu não aguentava o peso do meu corpo, deitei no chão e continuei recebendo aquela energia e lembro-me a última coisa que ela falou "O que você mais deseja?" E a última coisa que eu disse foi...

— Sofia.

Despertei. Eu havia possuído o corpo de meu filho.

— Enfim estou de volta à Terra, estou de volta para terminar o feitiço que deixei à muitos anos pela metade. Sabias que ia funcionar e agora sei que ninguém irá impedir-me. Porque eu me chamo Évora, a maior bruxa de todos os tempos. — Falei em voz alta. Eu havia caminhado por horas e agora estava onde precisava. Estava na floresta, onde eu ia conseguir sugar a energia das árvores para terminar meu último feitiço. Para iniciar precisava do sangue de algo vivo e puro. Um animal, para a mensagem oculta que iria fazer, que iria simbolizar não só a floresta, mas a magia. Olhei a direita e encontrei um coelho, fui rápida, e certeira com uma caneta que estava no bolso direito do garoto, atingindo o coelho em seu pescoço. Com o sangue do animal, tracei desenhos rúnicos e um pentagrama. Eu podia sentir o poder sair das minhas mãos, fechei meus olhos e comecei a falar as palavras simbólicas. Parecia sair burburinhos de minha boca, mas era pura magia obscura. As árvores começaram a perder cor, vida. Os insetos que ali tinham começavam a perder o som e receber o frio da morte. O sangue parecia mais vivo, mais vermelho, passando para uma cor alaranjada e saindo uma fumaça do meio do pentagrama. E então as folhas começaram a queimar e o fogo a surgir. E escutei a explosão. Cair no chão e coloquei o braço no rosto e olhei para ele — Meu Lorde. — Ele era grande. Mas não tinha expressões humanas, seus chifres eram enormes e tinham olhos fundos — Oh Lorde, ainda não consigo acreditar-me que consegui invocá-lo. — Seu corpo era formado por fumaça escura, senti-a aproximar ao meu rosto e o cheiro de seu hálito era metálico. Percebi que ele observava o corpo em que eu habitava — Este é o corpo do meu filho Ulysses. — A sombra havia saído do pentagrama e enfim senti que havia completado a minha missão e ia poder ter de volta o meu corpo que foi decomposto de maneira desumana. A Sombra tocou em meu rosto.

— Ele será bem recompensado Évora, o seu filho é um garoto especial que carrega os pensamentos de Caim sobre a mulher do irmão que era apaixonado. Sofia. — Vi ele passar a língua sobre os lábios ao reproduzir o nome da garota - Uma boa escolha, a mulher do irmão, não é mesmo?Nada melhor do que finalizar um feitiço usando o corpo de um traidor - Concordo com a cabeça e sorrio - E você, minha rainha, será muito bem recompensada, terá o seu corpo de volta. — Sorri mais forte para ele. Sombra segurou uma das minhas mãos e com a outra estalou fazendo o meu espírito sair do corpo de Ulysses. Ele segurou o corpo dele e colocou deitado ao chão e abandonamos-o ali.

Abri os olhos, escutei passos se aproximando de mim, via árvores secas. Pisquei mais duas vezes e agora vi o rosto dela, da minha amada, a mulher que não podia ter, pois ela amava a meu irmão.

— Meu amor, o que faz aqui no meio da floresta, fiquei esperando você em casa. — Sofia falou colocando suas mãos em meu rosto, estava prestes a dar-me um beijo, segurei as mãos de dela e olhei sem entender. Os dois pareciam confusos.

— O que você estar fazendo Sofia? — Falei ríspido, a garota parecia enfeitiçada olhando para mim, foi aí que percebi que minhas próprias mãos estavam sujas de sangue, e então escutei o sussurro de Évora. "Obrigado filho. Estas é sua recompensa". Percebendo o erro que cometi, olhei para Sofia — Me leve embora daqui Sofia. — Uma lágrima caia de meu rosto e nós dois caminhamos para fora da floresta.

FIM