Um Desastre Duplo

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 As canções dos mortos são os lamentos dos vivos.

 Assim pensou Chanyeol quando transpôs o corpo de um Urgal desfigurado e retalhado. Enquanto caminhava, o jovem ouvia o carpir das mulheres que removiam os seus amados do solo sangrento e enlameado de Farthen Dûr. Atrás dele, Saphira evitava delicadamente os cadáveres, e o azul resplandecente de suas escamas era a única cor na escuridão que preenchia a montanha oca.

 Haviam-se passado três meses desde a luta dos Varden e dos anões contra os Urgals pela posse de Tronjheim, a cidade coniforme que fica a cerca de dois mil metros de altura, no interior de Farthen Dûr. Porém o resultado da carnificina ainda cobria o campo de batalha. O grande número de corpos espalhados frustou o próprio de enterrar os mortos. Mais longe, uma imensa fogueira ardia, em silêncio, ao lado da muralha de Farthen Dûr, onde os Urgals era incinerados. Nada de enterro ou sepulturas honradas para eles.

 Ao acordar e perceber que BaekHyun curara seus ferimentos, Chanyeol tentou por três vezes ajudar no esforços de recuperação. Em cada uma dessas ocasiões, fora atormentado por dores terríveis que pareciam explodir de sua espinha. Os curandeiros lhe deram várias poções para beber. JongDae e BaekHyun disseram que ele estava perfeitamente são. Contudo, sofria. Saphira também não podia ajudar, apenas partilhar a dor ressonante através do elo mental existente entre eles.

 Chanyeol passou a mão no rosto e ergueu os olhos para as estrelas visíveis acima do distante cume de Farthen Dûr, as quais tinham sua imagem borrada devido à fumaça fuliginosa que emanava da pira funerária. Três meses desde que matara Ryeowook; três meses desde que as pessoas começaram a chamá-lo de Matador de Espectros; três meses desde que o restante da consciência do feiticeiro devastara sua mente e ele fora salvo pelo misterioso Choi Siwon, o Imperfeito Que é Perfeito. Ele não falara para ninguém sobre tal visão a não ser para Saphira. Lutar contra Ryeowokk e os espíritos das trevas que o controlavam havia transformado Chanyeol, embora ele, inevitavelmente, ainda estivesse inseguro. Sentia-se frágil, como se um choque inesperado fosse despedaçar seu corpo e consciência reconstruídos.

 E agora ele estava de volta ao local do combate, movido por um desejo mórbido de ver qual havia sido seu resultado. Ao chegar, não encontrou nada além da incômoda presença da morte e da destruição, não a glória que as canções heroicas o levaram a esperar.

 Meses atrás, antes de seu tio DongHae ter sido assassinado pelos Ra'zac, a brutalidade testemunhada por Chanyeol entre humanos, anões e Urgals o teria destruído. Agora ela o entorpecia. Percebera, com a ajuda de Saphira que a única maneira de manter a sanidade em meio a tanta dor era fazer coisas. Além disso, ele não acreditava mais que a vida possuísse um significado inerente - não depois de ver homens sendo dilacerados pelos Kull, uma raça de Urgals gigantes, e o solo transformando em leito de membros arrancados e a terra molhada de sangue que encharcava as solas de suas botas. Se havia alguma honra na guerra, concluiu, era em lutar para proteger os outros de injustiças.

 Chanyeol agachou-se e pegou no meio da lama um dente, um molar. Balançava-o na palma da mão, enquanto circulava lentamente com Saphira pela planície devastada. Pararam em sua margem quando notaram Kim JongIn - o subcomandante de LeeTeuk entre os Varden -, que vinha de Tronjheim, correndo em sua direção. Quando se aproximou, Kim JongIn se curvou, um gesto que jamais teria feito alguns dias antes.

 - Fico feliz por tê-lo encontrado a tempo, Chanyeol. - Ele segurava um rolo de pergaminho numa das mãos. - LeeTeuk está retornando e quer a sua presença quando voltar. Os outros já estão aguardando por ele no portão oeste de Tronjheim. Teremos de nos apressar para chegar lá a tempo.

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