Meu dia amanheceu tenso,há tempos que não acordava desse jeito,como se pressentisse que algo de ruim ocorreria.Mas tentei tirar esse pensamento da minha mente,afinal,mesmo que aquela segunda feira de fevereiro não fosse boa,seria o primeiro dia de aula de Amora no 1°ano do fundamental...Meu Deus,como o tempo havia passado rápido,parece que foi ontem que a vi chegar e hoje ela já está essa mocinha linda,independente e bem humorada,que completará 7 anos no próximo mês.Dia 17.Como a vida tinha umas coincidências,pensei pela milésima vez desde o dia que soube a possível data de nascimento da minha filha.
Levantei da cama o mais rápido que pude,preparei nosso café,tomei meu banho e fui chamar minha princesa,que dormia feito um anjo.
Em cerca de quarenta minutos já estávamos nós chegando na sua escola,quando de repente um carro bate no meu.
Só podia ser brincadeira.Deixei Amora dentro do carro e tentei tranquilizá-la,ela que já estava mais nervosa do que o normal devido ao seu primeiro dia de aula,agora então.
Desci do carro pronta pra" soltar os cachorros" em quem quer que tivesse batido no meu carro em plena manhã de segunda feira às 6:50.
Quando,para minha surpresa(e felicidade,talvez,misturada com toda raiva que consumia o meu ser naquele instante),me deparo com uma mulher morena,de macacão jeans,quase que idêntico o que ela usava no programa,há nove anos.Na verdade,eu podia jurar que fosse o mesmo.Gabriela.Gabriela estava ali na minha frente,depois de oito anos.Oito anos.
Ela também pareceu surpresa em me ver.
-Carol?Quanto tempo-ela sorriu e veio em minha direção,estendendo o braço para um abraço.
Retribui o sorriso e me aconcheguei em seu corpo.Era incrível como nossos corpos,mesmo depois de tanto tempo,ainda tinham o mesmo encaixe perfeito.E mais incrível ainda como só a presença de Gabi conseguiu fazer toda a minha raiva ir embora.
-É,quanto tempo,Gá.
-Carol,mil desculpas,de verdade.
-Pelo o quê?-haviam tantas desculpas que ela precisava me dar,que me questionei sobre qual ela se referia.
-Pelo carro,Peixinho.
- Não,imagina,só ralou um pouquinho,deve sair com o polimento.
-Não,Carol,mas eu faço questão de arcar com o prejuízo.
Foi muito bom ter reencontrado a Gabi,apesar de tantos desencontros nesses nove anos após o programa.Mas expliquei que precisava deixar Amora na escola até as 7:30,ela também disse que tinha um compromisso pela manhã e nos despedimos.
Consegui deixar Amora a tempo no colégio e fui direto resolver uns compromissos com Victor.
A manhã passou voando,já havia pego minha menina,feito todos meus compromissos,malhado e encontrando Gabi.Meu Deus,pensei o dia todo em Gabi,não consegui fazer absolutamente nada sem pensar na paulista.Pensar em como o tempo só havia feito bem pra ela,e a deixado ainda mais bonita,como era possível?
E o que ela estaria fazendo em Salvador?Não morava mais em São Paulo?E onde estaria Maria Laura?As duas vivem grudadas.
Imaginei que fosse algum show,mas quando fui procurar nos sites,não encontrei nada.Fazendo show na Bahia não era.O que poderia ser?
Viajando em meus pensamentos,aterriso com Amora me chamando pra sua aula de violão.
-Vamos,mainha,já tô atrasada.
No carro,parecia que o destino estava fazendo um jogo comigo,a cada cinco músicas que tocavam na rádio,quatro tinham alguma relação comigo e Gabriela.
-Oxe,mainha?Se decida.
-Verdade,minha filha,coloque em qualquer uma aí.
E 2×0 pro destino,começava a tocar Reconvexo.E um milhão de lembranças vieram à tona,do programa,das festas,de Gabriela.De Gabriela.
Desligo o som,seria demais pra mim.Amora me olhou com uma cara de quem não estava entendo nada.Como ela era muito esperta,logo ia perceber que eu estava estranha,se já não tivesse percebido.
-Mãe,a senhora tá estranha desde que bateu o carro e viu aquela moça bonita.
-Oxente,minha filha?Que loucura é essa?Mainha tá bem demais.
-E por que tirou essa música e as outras 500.E por que errou a rua?Era pra dobrar naquela outra.
Meu Deus,eu nem havia percebido.O trânsito estava muito conturbado naquele fim de tarde em Salvador,afinal,horário de pico.O melhor seria estacionar o carro e irmos andando,se não era capaz de Amorinha perder sua aula.
Enfim,tudo certo.Tudo certo na Bahia.
Depois de deixá-la na aula,fui surpreendida com o som que tocava no barzinho ao lado:"Palpite",de Vanessa Rangel."Tô com saudade de você
Na varanda em noite quente
E o arrepio frio
Que dá na gente
Truque do desejo
Guardo na boca o gosto do beijo
Eu sinto a falta de você
Me sinto só
E aí
Será que você volta?
Tudo à minha volta é triste
E aí, o amor pode acontecer
De novo pra você,palpite"Já sabia de quem era o timbre daquela voz,mas queria confirmar.E surgiu inconscientemente um sorrisinho de canto quando vejo Gabi e seu violão cantando sorrindo.E nossos olhos se cruzaram.
"E aí
Será que você volta?
Tudo à minha volta é triste
E aí,o amor pode acontecer
De novo pra você,palpite"
Ela cantou os últimos versos olhando pra mim e pude sentir um aperto no peito.Era demais pra mim,o passado nunca esteve tão presente.
Decido que o melhor a se fazer era voltar pra casa e deixar que o passado ficasse no lugar dele.Quando estava quase atravessando a rua,vejo Gabriela sair do bar em minha direção.
-Peixinho,o que foi?
-Ah,oi Gabi-tentei parecer que estava o mais normal possível.
-Oi?O que foi?
-O que?
-Por que você saiu do nada?Não ia nem falar comigo?
-A música já tinha acabado e eu também não queria te atrapalhar.
-Para,Carol.Cê nunca atrapalha,véi.E eu adorei te ver lá,foi uma surpresa.
-A minha-falei,na intenção de so eu ouvir,mas não funcionou-A minha de te encontrar duas vezes aqui na Bahia,depois de tantos anos-disse.
-Pois é,quanto tempo...eu tô passando uns dias aqui em Salvador,aconteceram algumas coisas e vim pra cá relaxar.
-E escolheu bem,viu,nega?Nada melhor que relaxar aqui na terrinha.
-É,pois é.
Ficou uns dois minutos de um silêncio.
-Gab,foi um prazer e tanto,sério, te reencontrar.Mas é que eu realmente preciso ir e você tem que continuar a cantar.
- Não,na verdade não.Carol,eu quero muito falar contigo.
Eu a olhei e ela entendeu que eu não queria ter aquela conversa novamente.Não depois de tanto tempo,não depois de já termos conversado anos antes e ela ter voltado pra sua namorada e me deixado com um vazio imenso e com feridas que demoraram pra curar.E talvez nem tenham se curado por completo.
-Carol,agora é sério,eu juro.Só escuta o que eu tenho pra te dizer e aí eu prometo que eu te deixo em paz pro resto de sua vida.
-Se for pra você me deixar em paz pra sempre,eu escuto-ela deu uma risadinha.
Entramos no meu carro,afinal,era bem mais seguro do que ficarmos conversando no meio da rua.
-Carol,sabe quando você quer esquecer tanto uma coisa,mas de tanto querer esquecer,acaba lembrando?Pois é,você foi assim pra mim.Por mais que eu tentasse te tirar da minha mente,eu nunca consegui.
-Gabriela...
- Não,Carol,deixa eu falar.De uma vez por todas.
- Eu tentei de tudo,sabe?Fiz terapia,silenciei tuas notificações nas redes sociais,não te mandava mensagem e sempre recusava participar de eventos nos quais você estivesse.Eu sei,foi infantilidade e sobretudo,medo,medo de te ver e medo de não me controlar.E o arrependimento vir à tona e me sentir culpada,ainda mais porque quanto chegasse em casa eu encontraria outra pessoa.
-Justamente,Gabriela.Você tem outra pessoa e é por isso que eu quero que você desça do meu carro agora,nega.
- Não,eu não tenho outra pessoa não.
- Como assim,Gabriela?E a Maria Laura?
-Carol,a gente se separou meses depois da nossa última conversa.Depois daquele dia eu não conseguia pensar em nada que não me lembrasse você.Tudo me lembrava você.Eu beijava a Low,mas lembrava do seu beijo e como ele era mil vezes melhor,mais intenso e mais doce.Eu olhava pra Low e só conseguia enxergar teu corpo bronzeado.Eu acordava ao lado dela e tudo o que eu mais queria era acordar ao seu lado.Por isso a gente terminou.Depois de tudo aquilo eu não sabia o que dizer.Literalmente,estava sem palavras.
-Peixinho,eu sei,desculpa eu te dizer isso quando você já seguiu sua vida e tem até uma filha ,linda,por sinal.A cara da mãe,por que se fosse parecida com o pai...
Dei uma gargalhada.
-Gabi,você devia ter me dito isso tudo antes.Por que não disse?
-Carol,eu ia te dizer,mas aí cê ficou grávida do Alan e eu entendi que era passado pra você.E que cês tavam felizes juntos.
-Gabi,você é um passado que é presente.E quem dera eu sentisse pelo Alan o que senti por você,talvez quem sabe ainda estivéssemos juntos.
-Pois é,era isso.Eu nunca te esqueci,Carol e acho que nunca vou esquecer.Ainda tem esse peixe aqui no meu peito que vai me fazer lembrar de ti pelo resto da minha vida.-ela me fez rir,fazendo referência à sua cicatriz/queloide.
-Gabi,eu também,eu tambem nunca te esqueci e acho que sempre vou lembrar.Você foi uma pagina da minha vida muito importante,que por mais que eu ja tenha lido outras páginas,você sempre continua sendo aquela que eu sempre quero reler.
Gabriela estava prestes a falar algo,mas eu não permiti.Aproximei-me dela e num piscar de olhos,estávamos nos beijando.Depois de anos,ela ainda tinha o melhor beijo.
E ali naquele momento,eu entendi que nosso encontro era de outras vidas e que vivemos um passado lindo,que na verdade,foi um presente.