Capítulo Três: Glorioso São José

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Estávamos refazendo meu jardim já havia uma semana. Sim, estávamos, no plural.

Dona Rosa é dessas pessoas indelicadas com as quais você não tem a mínima vontade de agir indelicadamente; eu me senti incapaz de expulsá-la do meu terreno e de não acatar suas ordens. Já deixava o portãozinho aberto de manhã, aguardando pelos dois.

Davi parecia insatisfeito nos dois primeiros dias, mas agora parecia animado. Ele até me deu uma carona no dia em que saí para comprar uma cadeira de balanço para Dona Rosa – ela reclamava de dor nas costas por causa da rede – e me deu carona à noite até a pizzaria em que eu trabalhava também algumas vezes.

Ele me contou que era advogado e pediu suas férias acumuladas naquele período porque nenhum dos irmãos estava disponível para tomar conta da mãe.

Dona Rosa estava doente e muito sozinha, pediu que Davi passasse o mês todo com ela e ele sequer pensou duas vezes.

Eu estava particularmente admirada com ele; não só pelo que estava fazendo pela mãe, mas também pelo que estava fazendo por mim.

Começava a acreditar que conseguiríamos fazer aquilo. O meu jardim já começava a tomar forma e eu podia até me imaginar ligando para o Marcos e convidando-o para trazer a Malu. Sentia que, se eu pudesse arrumar a minha bagunça, talvez ele me aceitasse de volta em sua vida e voltaríamos a ser uma família feliz.

Depois de ouvir atentamente as dicas – e também imposições da Dona Rosa – eu já arriscava algumas ideias próprias. Afinal, era a minha confusão que estávamos limpando, era o meu jardim.

"O que é que estás cavando tanto aí?" perguntou a Dona Rosa.

"Um lago" respondi sem dar muitos detalhes.

Queria que Malu e o pai brincassem ali. Ela daria ração para os peixes e ele sorriria enquanto eu tirava fotos dos dois.

Marcos tomaria o celular da minha mão e diria que agora era a minha vez. Tiraria nossas fotos e diria como estávamos lindas. Malu me abraçaria forte e daria um beijo na minha bochecha para uma das fotos, que ficaria tão bonita que levaríamos para revelar e colocaríamos num porta-retrato na sala.

Carregaríamos a Malu e fingiríamos jogá-la no lago até ela sentir a barriga doer de tanto rir e brincaríamos naquele jardim até a hora do jantar.

– Ah, droga! – eu acordei do meu transe, sentindo algumas gotas de chuva caírem sobre a minha pele. – Eu odeio chuva!

Dona Rosa deu um salto.

– O que é isso, menina? Estás doida?! Vira essa tua boca para lá, que chuva é dádiva!

Fiquei paralisada com a maneira que ela havia falado. Não sabia dizer se era uma de suas explosões comuns ou se estava realmente ofendida.

Davi lentamente engatinhou em minha direção e explicou perto do meu ouvido:

– Minha mãe é nordestina, do interior do Maranhão, sabe?

Eu apenas assenti, ainda meio confusa com a reação dela.

Dona Rosa continuou:

– Chuva no 19 de março é sinônimo de boa colheita pelo resto do ano – ela olhou para cima e ergueu as mãos. – Glorioso São José, dai-nos chuva em abundância, oh, Glorioso São José!

Eu nunca havia ouvido falar em nada disso, mas bem que não queria ofender nenhum santo. Fiz o sinal da cruz e Davi riu baixinho ao meu lado, afastando-se ainda com um sorrisinho no canto dos lábios para continuar adubando uma roseira.

Fiquei intrigada com a reação dele.

Estava rindo de mim ou da mãe? Algo me dizia que era de mim.

Quando a chuva engrossou e eu os convidei para entrar, Rosa ficou no sofá vendo o noticiário.

A previsão era de tempestades aqui no Sudeste.

Esse São José não brinca em serviço, viu...

Davi veio até a cozinha para oferecer-me ajuda e espremeu as laranjas para fazer o suco enquanto eu colocava alguns pães de queijo no forno.

– Está ficando muito bonito – ele disse, encostando-se na bancada ao meu lado. – O jardim, quero dizer.

Eu sorri e cruzei os braços, encostando-me também, ficando de lado para ele.

– Obrigada pelo que está fazendo por mim. Você não tem ideia do quanto significa.

Ele deu de ombros.

– Eu que agradeço por aturar minha mãe. Você é que está fazendo muito por ela, deixando que ela dê ordens a você para cima e para baixo... Ela estava precisando de algo para se ocupar e brigar com pessoas mais novas é o passatempo preferido dela...

– Ah, que nada! Ela é uma senhorinha amável depois que você realmente a conhece.

Davi estreitou o olhar para mim. Seus lábios entreabertos se desenharam num sorriso torto novamente e ele deixou escapar uma risada breve.

– Você é uma boa mentirosa... – ele elogiou em tom brincalhão.

Eu ri e encarei o chão. Ele apenas me deu um empurrãozinho leve com o ombro e desviou o olhar, rindo mais um pouco.

Ficamos em silêncio por um tempo, ouvindo apenas o barulho da chuva lá fora, e eu percebi que ele me observava discretamente pelo canto do olho.

– Melhor irmos – ele disse por fim. – Se a Dona Rosa ficar mais alguns minutos sem uma distração na sua sala, vai começar a pensar em dicas de decoração também.

Desabrochar: Um Conto Sobre O AmorOnde histórias criam vida. Descubra agora